As quatro rochas espaciais legitimamente cearenses
Romário Fernandes é professor de astronomia no Colégio Militar do Corpo de Bombeiros do Ceará e editor do canal AstronomicaMENTE. É especialista em ensino de astronomia, licenciado em matemática e bacharel em comunicação social. Atua desde 2017 nas áreas de ensino e divulgação da astronomia. É oficial do Corpo de Bombeiros
As quatro rochas espaciais legitimamente cearenses
Atualmente, quatro rochas espaciais recebem denominações de municípios cearenses: a Campos Sales, a Parambu, a Cratheús (1931) e a Cratheús (1950). Todas elas foram achadas ao longo do século 20 e, cada uma a seu modo, nos ajudam a desvendar um pouco dos mistérios do universo
Apesar de não ser difícil flagrarmos "estrelas cadentes" em noites de céu limpo e sem Lua — principalmente quando afastados das luzes da cidade — a grande maioria das rochas espaciais que originam esses riscos luminosos se desintegram completamente a dezenas de quilômetros do solo. E os poucos fragmentos mais íntegros que conseguem resistir à travessia da atmosfera têm muito mais chance de cair no mar ou em regiões desabitadas do que em locais por onde passa gente.
Como se não bastasse serem raros de encontrar, os meteoritos ainda ostentam a condição de verdadeiros fósseis do sistema solar! Em suas entranhas, encontramos pistas valiosas sobre o nebuloso período que transcorreu entre a formação do Sol e o surgimento dos primeiros objetos rochosos do sistema solar. De lascas de protoplanetas que desapareceram na poeira do tempo a pedaços perdidos da crosta marciana, há uma riqueza inestimável de informação nas rochas que vêm do céu...
Por isso mesmo, as cidades que já serviram de pistas de pouso para esses mensageiros siderais acabam recebendo a deferência de terem os meteoritos batizados com seus nomes. Atualmente, quatro rochas espaciais recebem denominações de municípios cearenses: a Campos Sales, a Parambu, a Cratheús (1931) e a Cratheús (1950). Todas elas foram achadas ao longo do século 20 e, cada uma a seu modo, nos ajudam a desvendar um pouco dos mistérios do universo.
A primeira a ser encontrada foi a Cratheús (1950), mas a história dela é indissociável da de sua quase homônima, a Cratheús (1931). O primeiro meteorito cearense a ser reconhecido foi este último. O ano que leva no nome está ligado à data em que ele foi descrito cientificamente, mas o achado se deu anteriormente, sob condições pouco conhecidas. Os pesquisadores responsáveis pela análise relatam apenas que a peça, um siderito de 27,5 kg, era oriunda de Crateús e havia sido comprada em 1914 pelo Serviço Geológico Nacional. Trata-se de um meteorito composto principalmente de ferro, mas com elevada concentração de níquel. Essa combinação sugere que estamos falando de um pedaço do núcleo de um protoplaneta que foi destruído antes mesmo que as primeiras plantas surgissem na Terra. Um resquício de eras imemoriais que a dinâmica gravitacional do sistema solar fez chegar à Princesa dos Inhamuns!
A Cratheús (1950), por sua vez, é um objeto ainda mais misterioso. O primeiro pesquisador a relatar sua existência, em 1950, presumiu tratar-se de um fragmento do outro Cratheús. Ocorre que uma análise mais aprofundada feita ainda naquele ano revelou que, apesar de ambos serem meteoritos metálicos, eles não compartilhavam a mesma origem. A peça principal do Cratheús (1950) pesa 347g e encontra-se no Museu de História Natural do Rio de Janeiro, onde se lê a indicação de que ela foi achada em 1909, porém sem indicação sobre quem achou ou onde exatamente. Encontramos esta referência a ela numa crônica do poeta crateuense Raimundinho: "Em 1909, numa caatinga de inóspito carrascal arbustivo, com ramos duros e esguios, repleto de seixos roliços, um atento sertanejo vê uma pedrinha de uns 350 gramas, bem diferente, avermelhada como ferrugem e como se alguém tivesse deixado marcas de dedos impregnadas. Guarda-a, na algibeira. Nem imagina que vale uma fortuna". Infelizmente, não é possível saber se se trata de uma narrativa baseada em algum tipo de testemunho ou apenas de uma releitura poética de como teria se dado o achado do meteorito...
Já no caso do Parambu, se não temos a poesia, resta a descrição sumária registrada no boletim da Sociedade Meteorítica de 30 de março de 1974. Por volta das 19h do dia 24 de julho de 1967, um grande número de pedras caiu do céu, depois de sons de explosão e do aparecimento de uma bola de fogo se deslocando de sudoeste para nordeste. A área de dispersão do material media em torno de 85.000 m2 e estava centrada na Fazenda Novo Exu, no entorno de Parambu. O fenômeno foi observado por residentes e informado pelo Dr A. Barreto, do Departamento Geológico da Sudene, que visitou pessoalmente o local e obteve vários espécimes do meteorito. O Parambu é um meteorito rochoso, do tipo condrito, provavelmente oriundo de algum asteroide fortemente afetado por um impacto, quase 500 milhões de anos atrás. Os asteroides Eros e Flora, atualmente no Cinturão localizado entre Marte e Júpiter, são candidatos a fonte de objetos como o Parambu.
Por fim, em 31 de janeiro de 1991, um estrondo assustou os moradores de uma localidade a 18km de Campos Sales, por volta das 22h. O brilho foi avistado num raio de mais de uma centena de quilômetros. O trio responsável pela localização dos detritos coletou mais de 20 kg de meteoritos. Foram 35 peças, com massas que variavam de 3g a 3,5kg. Estruturalmente, o Campos Sales é muito semelhante ao Parambu. É também um condrito, apenas de uma subcategoria diferente. Segundo as últimas informações que consegui levantar, a peça principal deste meteorito caririense encontra-se com um professor da UFC.
De lá para cá, muitos outros meteoros, ou seja, fenômenos luminosos de maior ou menor intensidade, foram avistados nos céus do Ceará. Em alguns casos, os cálculos chegaram a sugerir a possibilidade de formação de meteoritos, ou seja, de fragmentos que tivessem sobrevivido à travessia da atmosfera e chegado à superfície. Infelizmente, nenhum achado se confirmou. Mas não percamos a esperança! Quanto mais olhos voltados para o alto, sejam humanos ou eletrônicos, maiores as chances de a coleção de rochas espaciais cearenses legítimas crescer!
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