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Feliz Aniversário
Foto de Romeu Duarte
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

Feliz Aniversário

Aos que doaram as cestas básicas

Faço 62 anos hoje. Eu e a boneca Barbie, esta, aliás, uma coroa sessentona com um corpinho de trinta. Há algumas décadas, tem sido invariavelmente assim: no Dia da Mulher, 8 de março, iniciavam-se libações que perfaziam, como certa vez disse meu saudoso amigo Cláudio Pereira, o "aniversário mensal" de Romeu Duarte. Desta vez será diferente. Confesso não me sentir com ânimo para celebrar o que quer que seja, além de que aglomeração, nesta dura hora, é coisa completamente fora de questão. Brindarei apenas, no seio da família, a mais uma volta no ponteiro da existência e à fortuna de ainda estar vivo, quando mais de 260 mil pessoas neste Brasil não tiveram a mesma sorte. A vida anda incerta e áspera, que o digam as sirenes das ambulâncias...

Cedo da manhã, de frente para o espelho do banheiro, enquanto todos dormem na bolha familiar, o que vejo no reflexo do seu abismo? Um sujeito cujas olheiras e o cabelo em desalinho pedem tempo ao tempo, cansado de tanta burocracia e hipocrisia e precisado de um grande número de momentos para gastá-los com coisas de maior utilidade, tais como bater perna por aí, dar de cara com um bar novo, conversar miolo de pote com amigos. Ou seja, tudo o que o confinamento que o bom senso nos impôs, frente à maldita pandemia, nos impede de fazer. Uma pessoa farta de notícias falsas, desculpas de jacu, cegueira ideológica, farisaísmo, falta de empatia, burrice e perversidade. Acho que não entoo só este lockdown blues, modinha chata assoviada por muitos...

Amargamos, talvez, no Brasil a era do des. Explico o tal prefixo: (Des)governo, (des)presidente, (des)ministros, (des)políticos, (des)justiça. Desprezo, desídia, desapreço, desamor, desamparo, desdém, desgosto, descrédito, desmundo. Um país que já teve, já fez e já foi. Um país cuja administração e seus fãs zumbis se orgulham deste ser um pária político, diplomático e sanitário na cena mundial. Um país cuja auriverde bandeira foi sequestrada como símbolo por quem o está destruindo. Um país no qual uma doença que caminha célere para atingir a marca de três centenas de milhares de defuntos é chamada de "mimimi" e "frescura" por seu dirigente máximo. Toca o celular. Querem saber se há algo misterioso na eliminação da Karol Conká no BBB. Câmbio, desligo...

Contudo, como disse, hoje é o dia do meu aniversário. Já, já começarão as muitas ligações dos amigos. "Limpeza com Removedor Faísca no fígado", "rins novos em folha com recauchutagem grátis", "pâncreas com pouquíssimo uso comprado na sucata do Chico Alves", "toque retal humanizado em ambiente discreto com música romântica" serão alguns dos presentes que receberei. No almoço, mulher e filhas à mesa, um opíparo bacalhau me será servido na companhia de um bom tinto português. Cantaremos, sorriremos, rezaremos, faremos brindes, lembraremo-nos de quem partiu, de quem ainda está por aqui e de quem virá. Millor, certeiro: "O aniversário é uma festa/Pra te lembrar/Do que resta". No dia seguinte, segue (espero) a roda da vida, que, leve, nos leva.

Foto do Romeu Duarte

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