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O manto sagrado
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

O manto sagrado

Tipo Crônica

Aos Wilton Bezerra pai e júnior

Não, caro(a) leitor(a), o tema desta crônica não diz respeito à Semana Santa que passou, às lembranças arrependidas dos que negaram ou trucidaram o Nazareno na cruz ou aos restos de bacalhau ou pão de coco que ficaram sobre as mesas dos banquetes. Nada disso. Refiro-me tão somente às camisas dos times de futebol que, modestamente para mim, como indumentária, são tão ou mais importantes que os santos hábitos que cobrem os sacerdotes de todas as religiões e profissões. Nesta hora grave, poderá se considerar heresia ou despropósito eu me reportar a tal tema, mas entendo que carecemos de portos mais que seguros num momento em que os nossos referenciais se sentem abalados pela pandemia. Em meio às tormentas, uma estrela solitária é âncora.

A referência ao Botafogo não é acidental. Em meus tenros dez anos, via meu querido pai, radinho de pilha no ouvido, vibrando com as vitórias do Glorioso de General Severiano. Terno (era assim que se chamava) alvinegro de listras verticais, calção preto e meiões cinzentos, valorizado por aquele que é o mais belo escudo futebolístico do mundo. Como não me apaixonar? Na sequência, veio o Ceará, que, à época, vestia-se de forma muito parecida com o Fogão. Na esteira desses amores, resolvi torcer por todos os clubes preto-e-branco do Brasil e do mundo. Era um tempo em que a jaqueta do ludopédio era tida como algo sagrado, digno de reverência e respeito, sobre a qual não se podia apor qualquer outra mensagem, além do número ou do nome (tudo bem) do jogador.

Mas, alarguemos as nossas considerações. Em Pindorama, os magníficos uniformes do Cruzeiro (com a marca da camisa amarela do goleiro Raul Plassman, até hoje usada pelos guarda-metas (é o novo...) do time), do Paissandu, do Remo, do Fluminense (que se salva pelo grená) e do Juventus são itens preciosos da memória do nosso pebol. Aqui mesmo, o do extinto cinta-negrino Maguari, era uma festa para os olhos. Claro que esta minha apreciação é muito miesiana, num certo sentido. Times coloridos demais, como um bem acolá que se aninha sob mangueiras, têm propensão à cafonice, por mais camisas que façam. Há, pois, um excelso, o Santos, alvo e impávido, rival em beleza do Bota. “Menos é mais”, dizia o mestre alemão, ok, Sérgio Redes?

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Contudo, o que se vê agora? Sem qualquer cerimônia ou respeito à história dos clubes, ou até com o mercenário beneplácito destes, as empresas que os financiam colam sobre os players uniforms todo e qualquer tipo de publicidade, fazendo com que as equipes sejam um amontoado de carros de Fórmula 1. Até no fiofó do lateral esquerdo tem um advertising. Além disso, o horror: o time é rubro-anil e entra em campo com um traje amarelo-limão. Sim, claro, toda agremiação tem duas ou três “roupas”, mas aí também é demais também, como dizíamos na Base Aérea. Quer anunciar, meu caro? Acerte com as TVs e ponha suas chamadas na tela sem sujar os mantos do esporte bretão. Arrasou, Nelson: “Até a mais sórdida pelada é de uma complexidade shakespeareana”...

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