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Dois Perdidos Numa Noite Suja
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

Dois Perdidos Numa Noite Suja

Tipo Crônica

À memória de Plínio Marcos

Era uma vez um tirano em seu palácio, alta madrugada. Insone por motivo dos cabeludos problemas do seu governo, quase todos criados pela sua paranoia, desistiu de reclamar de sua consorte, que somava, à luz de um abajur, o valor dos canhotos dos muitos cheques a si repassados pelo áulico preferido do déspota. Pistola no cós da bermuda do pijama, deixou seus aposentos e foi se sentar no chão da varanda da magnífica residência, “projetada por comunista”, como ele gostava de dizer. Jogou uma pedra nas emas que dormiam ao luar no jardim palaciano, “essas ingratas de bico duro”. Seu pensamento passou em revista a sua administração até aquele momento: tudo desmoronava ao seu redor, tudo caindo de podre, refém da própria podridão, e ele bem sabia disso...

Súbito, escuta ruídos de pés correndo sobre o gramado e de uma respiração para lá de ofegante. Vê um vulto se esgueirando por entre as belas colunas da presidencial morada, caminhando em sua direção. Um segundo antes de puxar a arma, ouve o aviso: “Se sacar, mano, você já era. Joga o trabuco pra cá, cara”. O mau cheiro do estranho podia ser sentido a quilômetros de distância. O brilho da lua, num átimo, revelou-lhe o rosto: era o tal temerário matador em série, fugitivo da polícia. Coberto de andrajos sujos, os cabelos em desalinho, manquejava de uma perna atingida por um tiro. Trazia um revólver, que passava de uma para a outra mão imunda. Ficaram ali, se observando, por minutos que pareceram séculos. “Tá com medo, né, sujeito?”, riu-se o bandido.

“Como você entrou aqui? Onde estão meus seguranças?”, perguntou-lhe o injusto soberano. “Sou mateiro, chefia, conheço floresta, bicho e gente. Quanto à sua guarda, é melhor arrumar outra...”, respondeu-lhe o celerado. “Você só pode ser do PT!”, provocou o prepotente senhor, ao que o cabra malvado lhe retrucou: “Que PT o quê, macho, eu tô é com fome. Tem leite condensado aí?”. “Nem me fale em leite condensado, tenho engulhos só de ouvir falar disso”, disse-lhe o (des)presidente. “Essa perna está me matando, cara. Traz pra mim uma máscara da covid para eu fazer um curativo”. “Máscara é outra coisa que não tenho nem uso”, devolveu-lhe a cruel autoridade. “Mas é claro, chapa, tô falando de corda em casa de enforcado”, curtiu o malfeitor, puxando o gatilho...

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“Calma, amigo, vamos conversar”, propôs, apavorado, o maléfico ocupante do palácio ao frio salteador. “Soube que você já matou um monte de gente, é isso mesmo?”. “Quem já matou uma porção de gente foi o senhor, mais de 500 mil pessoas, tô errado?”. “Isso é intriga da CPI, quero dizer, da oposição!”. “Hôme, já estou com você por aqui. Este Centro-Oeste é pequeno demais para dois psicopatas como nós. Adeus, capitão cloroquina!”. De repente, ao ouvirem esta palavra, as emas, que dormiam ao relento, acordaram e partiram para cima do facínora, bicando-o repetidamente nos países baixos e no traseiro. Tomado de susto, o criminoso deixou cair o berro e desapareceu na noite do cerrado. “E mais essa agora”, lastimou-se o vil dirigente, “virei devedor de ema. Arre ema!”.

Foto do Romeu Duarte

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