Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.
Nós, cearenses, adoramos sentir saudade, mas detestamos preservar. Talvez seja por esse motivo que tenhamos, em nosso meio literário, tantos memorialistas, alguns deles excelentes. Demoramo-nos lamentosos em detalhes de edifícios, nos nomes dos seus proprietários, em imagens esquecidas pelo tempo, contudo não nos dispomos, no fero presente, a mover uma palha pela salvaguarda daquilo que culturalmente nos é caro. "Aqui tinha", "nesta rua havia", "acolá existia", são frases que ouvimos a todo instante, não sem uma lágrima, visível ou invisível, a pender solene de olhos tristes. Porém, agir de forma decidida contra a clava forte da destruição, nananina. Parece até que a nossa tradição é não ter tradição, é acabar com toda forma de memória...
No penúltimo fim de semana foi ao barro o Casarão dos Gondim, uma das últimas chácaras existentes na cidade. Construído em 1912, em estilo eclético, por Arlindo Grangeiro Gondim para si e sua família, foi morada e palco de animados saraus de piano e voz. Com processo de tombamento municipal concluído desde 2011, foi demolido mediante autorização de uma secretaria regional da prefeitura. Que diabo de municipalidade é essa que derruba o que pretende preservar?! Esculhambação administrativa, omissão ou projeto? Mero replay dos procedimentos sombrios que levaram ao chão a Chácara Flora e o Centro Artístico Cearense? A cidade, aturdida, acusou o golpe. Todos se dizem indignados e ninguém faz nada. A delicada valsa dá lugar ao monte de entulho.
Há poucos dias, foi a vez do Farol do Mucuripe dar sinais de que não aguenta mais tanto descaso. Desabou a cúpula do velho olho do mar, que tanto navio livrou da procela. Levantado em linhas neoclássicas por braço escravo em 1846, símbolo constante da bandeira do Ceará e protegido nos níveis municipal, estadual e federal, nem assim o pobre edifício teve considerada a sua relevância histórico-cultural como justificativa para os necessários cuidados de restauro e conservação. Abandonado sobre o que restou do Forte de São Luís, pichado e grafitado, o farol talvez tenha quebrado sua cabeça para saber por que mereceu uma sina tão cruel. O que poderia ser um ponto de apoio à doída comunidade do Serviluz é só uma arquitetura aflita, gritando por socorro.
Essas tragédias do cotidiano se somam a outras bem recentes, tais como as demolições do Esplanada Hotel, da Residência Benedito Macedo, do Edifício Benício Diógenes, do Centro de Convenções do Ceará e do Residencial Iracema, entre muitas outras. De cima da platibanda da Escola Jesus, Maria e José, a Sagrada Família parece preferir pular dali para a morte a assistir o dia-a-dia da degradação do edifício ao qual empresta o nome. E há mais, muito mais, é só andar pela cidade e sentir o coração apertado de tanta falta de carinho e zelo. Agora, bem aqui para nós, arruinada mesmo, apesar de incólume, está a Igreja da Paz, arrasada pelo farisaísmo atroz de seus fiéis bolsonaristas, adeptos da auto-salvação violenta e excludente. Saravá, Xangô!
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