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O que a literatura ensina à vida
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

O que a literatura ensina à vida

Ah, as fábulas, como são fabulosas! Criado entre livros, logo cedo delas me enamorei, as quais ainda recendem à infância. Esopo, Fedro, Demétrio de Faleros, Iriarte, Pombo, Saint-Exupéry e o nosso caro Millôr Fernandes, entre tantos, são alguns dos meus fabulistas preferidos. Mas é o francês Jean de La Fontaine o meu ai-Jesus. De suas deliciosas obras, recolho aquela que mais me apetece, a do Lobo e do Cordeiro. Estava o pobre herbívoro bebendo água em um riacho quando chega o carnívoro a montante e diz: "Como é que tens coragem de sujar a água que eu bebo?". "Senhor", respondeu o inocente ovino, "estás acima de mim, portanto o que dizes é impossível". "Agitas a água e falaste mal da minha pessoa no ano passado", disse-lhe de volta o feroz canídeo. "Ora, no ano passado eu ainda não tinha nascido...", argumentou a rês.

"Se não foste tu, foi um irmão teu", rilhou as presas a fera. "Milorde, sou filho único", baliu o indefeso, trêmulo de medo. "Não importa", decretou a besta, sedenta de sangue, "um outro teu semelhante, o cão que reúne o rebanho no prado, o pastor dono deste, é preciso que eu me vingue". Ato contínuo, caiu o lobo com seus afiados dentes sobre o carneirinho. Moral da história: a razão do mais forte é sempre a melhor. Aboletado em meu jardim, fecho o livro e, após um longo suspiro, digo de mim para comigo: "Será mesmo?". Não se molha os pés num rio duas vezes do jeito igual. Assim também se dá com as fábulas, sempre nos ensinando algo novo, a depender do momento. O pensamento voa e indaga à realidade se não estaríamos vivendo uma situação de certa forma parecida com a da história. Em pele de lobo e cordeiro, gente.

O sujeito inventa que a urna eletrônica, dispositivo utilizado há 25 anos nas eleições, plenamente auditável e sem qualquer notícia de erro ou violação, é um instrumento falho, cujos resultados devem ser comprovados pelo voto impresso, proposta essa derrotada duas vezes na Câmara. Seus apoiadores, alimentados com dinheiro público, hostilizam armados, nas redes sociais, o STF e o Congresso. Presos, de valentões no vídeo passam a chorões nas viaturas da PF. Transtornado, diz que a Constituição é comunista, convocando seu gado a promover com ele um contragolpe. Acusa seus oponentes, como sempre sem provas, de agirem fora da lei quando ele é que atua além da legalidade. Desesperado, implora ao Senado que aprove o impeachment de dois ministros do Supremo. Tudo, tudo em vão. Enquanto isso, o mourão só observa...

Claro, há uma clara intenção por trás disso: rejeitado pela maioria dos eleitores, com popularidade em vertiginosa queda, sem voto, mantido na coleira pelo centrão (que poderá chamar a carrocinha para levá-lo a qualquer instante) e escanteado até por boa parcela das Forças Armadas, o capitão da desordem tenta criar uma densa cortina de fumaça para esconder o completo desastre que é o seu (des)governo. Mais de 570 mil mortes pela covid, cloroquina e propina como alternativa à vacina, desemprego em 15%, 19% da população vivendo(?) à base de farelo de arroz, feijão quebrado e restos de ossos, economia no buraco, destruição ambiental, ministério ridículo e inoperante, perda de prestígio internacional do soft-power brazuca e por aí vai. Ah, La Fontaine, e quanto à moral da tua fábula, mais forte, mon chéri, é o povo...

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