Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.
À memória de Raimundo Nonato de Oliveira, o Seu Nonato
Folheando os jornais, sujando as pontas dos dedos com a tinta das notícias (sou dependente do jornal impresso), ou acompanhando o passar dos dias na TV e nas redes sociais, chego à constatação de que vivemos globalmente num universo de aparências e falsas necessidades. A cruel submissão à internet, à tirania da moda e aos costumes excêntricos, no rastro do onipresente desejo de ostentar e lacrar, tem enchido muito consultório de psiquiatra. O carrão do ano, o luxury apartament no superprédio na beira da praia, o fino jantar de filé mignon temperado com ouro em pó, as grifes milionárias de roupas, sapatos e chapéus, as viagens para destinos exóticos, entre outros must have, fazem a cabeça de quem tem e de quem não tem. É, e haja chá de cidreira com Prozac.
Seria cômico se não fosse trágico assistir ao bizarro desfile de vaidades de gente que até anteontem não tinha onde cair morta. Fortunas que surgem do dia para a noite, de origem incerta e não sabida, para dizer o mínimo, obrigam o distinto e a distinta a saber salivar a torrada, segurar a taça de vinho francês sem erguer o mindinho, conversar tangenciando com classe a vida alheia (já que é impossível não falar dela), num verdadeiro show de fingimento. Soube de reuniões regadas ao mais genuíno scotch e acepipes de babar, realizadas para presenciar a coroação do Rei Charles III, legítimo representante do que há de mais violento e chupa-sangue no mundo que é a realeza britânica. Ninguém se surpreenderá se a cerimônia real servir de modelo a casamentos em Fort City...
Dizia isso de mim para comigo, redigindo mentalmente essas mal-traçadas, enquanto perambulava pelas ruas da Gentilândia, mui simpático e irreverente enclave do Benfica, em busca do balcão do Bar do Seu Nonato. Os passeios estreitos e as ruas ensombradas pelas copas das mangueiras centenárias me levavam a casarios singelos e humildes, que me fizeram lembrar de Chico e Vinícius ao som do belo violão de Garoto: "São casas simples com cadeiras na calçada e na fachada escrito em cima que é um lar". De súbito, resolvi aceitar o conselho de Walter Benjamin, qual seja, "saber orientar-se numa cidade não significa muito; no entanto, perder-se numa cidade requer instrução", e decidi jogar o corpo nos gentilandinos espaços. Ah, quanta coisa se aprende assim...
Mais tarde, cansado e sedento, fui dar com os costados no botequim predileto, não sem antes admirar a despretensiosa arquitetura das vilas e chalés do lugar. Criado na Base Aérea, onde uma xícara de açúcar e alguns ovos por cima do muro voltavam transformados numa tora de pudim, vi vizinhos num bate-papo, meninos jogando bola, a vida sendo vivida de forma cândida. Uma vez aboletado na taberna, alguém trouxe uma panela com galinha ao molho pardo e outro cliente apareceu com feijão verde ao queijo coalho, quiabo e maxixe. Como diz o colunista social, falou-se de coisa nova e de coisa antiga. Satisfeito, conta paga, despedi-me da turma boa e lembrei-me de Oscar Wilde: "Adoro as coisas simples. Elas são o último refúgio de um espírito complexo"...
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