Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.
Elas eram amigas de longa data. Estudaram a vida toda no mesmo colégio. Formaram-se em áreas diferentes, mas pertenciam à mesma classe social. Andavam na faixa dos quarenta e tal. Casaram-se mais ou menos na mesma época. Uma continuava bem casada (ela assim achava), duas delas viviam reclamando das respectivas relações e a última era divorciada. Como sempre se dava na última quinta-feira de todo mês, reuniram-se no final da tarde no bistrô elegante para falar de três coisas: de suas vidas, de Deus e do mundo. Chegaram quase ao mesmo tempo e ocuparam a melhor mesa da varanda. Bem arrumadas, penteadas e perfumadas, trocaram os beijinhos de praxe e tomaram seus assentos, sede grande de conversar. Na moldura, o crepúsculo.
"E aí, quem começa?", falou a bem resolvida no casamento. "Preocupadíssima com a violência contra a mulher. Quase todo santo dia há notícia de estupro, cárcere privado, maus tratos, feminicídio etc. No Cariri, então, é o pau que rola", disse uma das queixosas quanto à própria união. "E isso é o que gente sabe, pois só aparecem no noticiário os casos que são denunciados, já que a subnotificação é imensa", lamentou a outra. "Minha separação, como vocês sabem, foi causada por isso. O fulano me batia de manhã, de tarde, de noite e de madrugada. Era possessivo, obcecado e violento. Até hoje não aceita o nosso divórcio. Ainda bem que não tive filhos", contou a separada, ao tempo em que chegavam o café e os bolinhos. A noite já se insinuava sobre a cidade.
"Sabe o que eu penso?", interveio a sortuda, "Acho que mulher gosta de sofrer. Nunca vi um bicho para dar tanto valor a cafajeste, macho bruto e vagabundo. Depois leva uma mão de peia ou uma ruma de bala e ainda vai reclamar". "Você não está sendo machista dizendo uma besteira dessa?! Que absurdo, meu Deus!", ralhou a divorciada, tomando a rubiácea de um gole só. "Quer dizer então que a pobre da mulher apanha que só mala velha para largar o mofo, é assassinada, e a culpa ainda é dela?! Lai vai...", protestou, incrédula, uma das insatisfeitas. "Por isso é que sou feliz com o beltrano. Escolhi o homem certo, correto, gentil e fiel", gabou-se a felizarda. "Não é que se diz por aí da vida de vocês", alfinetou a outra chorosa. Aí o velho cão saiu da garrafa...
"Agora você vai contar o que sabe, mocinha!", esbravejou a ofendida. "Calma no Brasil, meu povo, viemos aqui para papear e não para brigar", lembrou a solitária. "Me desculpe, mas o que você falou é tão idiota e injusto que eu não me contive. Acho que por hoje já deu. Vou pagar a minha conta e ir para casa. Passar bem, moça", encerrou a descontente de língua afiada. "É, para mim também já deu. Até a próxima, se houver próxima", despediu-se a outra. A afortunada, vendo-se admoestada por todas, começou a chorar, no que foi consolada pela amiga restante: "Como você pode pensar assim? Talvez nem o Nelson Rodrigues, se vivo fosse, teria essa ideia". Súbito, entra um casal e se dirige a uma mesa distante. Bom, se não era o beltrano, era um fino sósia dele.
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