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Você tem fome de quê?
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

Você tem fome de quê?

Começo de mês, carteira cheia, compras feitas, deitei-me no sofá da sala para me deliciar com um sanduíche de pão integral com nata de Jaguaretama, fatias de queijo coalho curado do Seu Raimundo e nacos de presunto de Parma, na líquida e agridoce companhia de um suco de abacaxi com hortelã. Liguei a TV para dar conta do noticiário. De repente, fui transportado a Gaza. Milhares de pessoas, homens, mulheres, crianças e velhos, carregando bacias e panelas aos gritos para obter um pouco de farinha. Paraquedas caindo do céu com comida em caixas, disputadas a empurrões e socos pela turbamulta faminta. A milícia sionista israelense matando a bala os que tentavam chegar perto dos comboios. Rostos tristes, corpos esquálidos, choro e ranger de dentes. Desisti da merenda.

Na sequência, para alguma alegria minha, vi que o Brasil saiu da fila do osso, grande realização do (des)governo anterior, e deu adeus mais uma vez (espero que para sempre) ao mapa da fome. A mídia corporativa, sempre a postos para colocar defeito nas realizações da atual administração federal, informou que ainda há insegurança militar, ops, alimentar no país, apesar dos bons escores conseguidos na economia, de que o desemprego em queda vertiginosa é um excelente exemplo. Pois é, aquela velha história do copo meio cheio ou meio vazio. Parece que as coisas estão indo bem nas bolsas populares, a tirar pelo bruto sucesso do tal moranguinho do amor, que não chega para quem quer e, mesmo doce, a preço salgadinho. Entender a psique humana, quem há de, pois?

Súbito, zoada lá fora. Assovios finos de soins e guinchos de bem-te-vis. Vou à varanda do meu jardim/quintal e vejo um grupo de sagüis se equilibrando na fiação aérea para desespero dos valentes pássaros, atentos para que os lépidos macaquinhos não comam os seus ovos nos ninhos das árvores. De repente, ouço pios altos de um gavião-caboclo procurando pombos, mas que poderá se satisfazer com um lanche de bem-te-vi. Os guerreiros alados preto-amarelos se organizaram e, mantendo sentinelas de olho na macacada, botaram a morena ave de rapina para correr, digo, voar para longe. "Pobres animais", ruminei de mim para comigo, "todos vítimas do cruel desequilíbrio ambiental". De fato, o que foi feito das matas de Fortaleza? Os bichos perderam seus habitats e seu rumo.

Volto à sala e, na TV, Gaza, os bandidos lesa-pátria e o tarifaço não saem da tela. Ignorando os ganidos desesperados do little banana e do nepobaby da ditadura, que já sabem o que o destino lhes reserva, indago-me: teremos comida melhor e mais barata na mesa com a tunga de 50% do agente laranja? Duvido muito, pois o agro, antes de tudo, é tóxico, só pensa em lucro. Imagens de uma possível Riviera para trilionários a ser erguida no território devastado da velha Filistéia fazem o estômago revirar. O orange clown diz que em Gaza parece que as pessoas passam fome. Pois é, mr. Epstein friend, parece que o senhor é pedófilo e estuprador. Assim é se lhe parece, Pirandello! E você, caro(a) leitor(a), tem fome de quê? Salvo feijoada, apetece-me a justiça, cega, mas não abestada.

Foto do Romeu Duarte

Política, cotidiano, questões sociais e boemia. Estes e mais temas narrados em crônicas. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

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