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As víboras são eternas
Foto de Romeu Duarte
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

As víboras são eternas

Nunca fui muito de assistir a novelas, mas concordo que, nos últimos tempos, algumas delas abandonaram o modelito dramalhão mexicano para discutir as mazelas de Pindorama. Talvez a que mais investiu no tema foi Vale Tudo, quem sabe, a melhor de todas já realizadas, tão boa que ganhou até um recente remake. Sua primeira versão deu-se entre 1988 e 1989, com enredo do genial trio Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères, e cunhou para sempre a imagem da maior vilã da teledramaturgia nacional, a venenosa Odete Roitman, vivida pela magnífica Beatriz Segall, bem como personagens inesquecíveis, qual a filha desta, a junky Heleninha, encarnada pela correta Renata Sorrah. À época, o Brasil parava quando a Globo punha no ar o teledrama, coisa de tirar o fôlego.

Sua complexa trama, capitaneada pela vil Odete, envolvia arrogância, traições de todo tipo, ambição, preconceito e discriminação com foco no povo brasileiro, que era considerado pelo núcleo central da narrativa, um grupo bastante representativo da classe dominante brazuca, como destinado ao fracasso por ser mestiço e, por este motivo, indolente. A megera odiava o país e a sua população e se achava no direito de cometer todo e qualquer tipo de crime para que seus interesses prevalecessem. Claro, os alpinistas sociais também se faziam presentes no roteiro. No último capítulo, os noveleiros com os olhos arregalados e as respirações suspensas, a bruxa foi abatida a tiros por engano depois de praticar diversas modalidades de delitos. Caiu o pano para a perversa.

Caiu o pano?! Caiu nada. Neste ano, a novela foi reencenada, com Débora Bloch, a sempiterna Bete Balanço, no papel da malvada e a roliça Paolla Oliveira interpretando a rebenta beberrona e desajustada. Mais uma vez o Brasil teve que se olhar no espelho, situação tornada mais tensa pelas criminosas ações executadas pelo (des)governo do hoje réu e inelegível e a firme atuação do STF no exame das bandidagens e na dura punição dos envolvidos. Mais uma vez a telinha se encheu com as idiossincrasias da nossa cruel elite financeira, fazendo surgir uma nova geração de fãs, para desespero dos pobres de direita, que devem ter odiado a narrativa. Nesta versão, a biltre escapa da morte e, na cabine do helicóptero, fala blasé: "Au revoir, Brasil, Odete Roitman sempre volta". Será?

Tal como acontece nos filmes de terror, em que monstros da categoria de Freddy Krueger, Jason Vorhees e Michael Myers nunca morrem e sempre retornam na película seguinte para dar rotineira continuidade aos seus rosários de cruentos assassinatos, as víboras parecem não perecer. Guindada a esse brilhante e ao mesmo tempo obscuro patamar da ribalta da maldade, Odete Roitman desfila a sua vileza ao lado de colegas de ruindade humana tais como as personagens interpretadas por atrizes do naipe de Anne Baxter, Bette Davis e Joan Crawford. Seremos eternamente obrigados a conviver, na cena e na vida real, com tal tipo de gente que se compraz com o sofrimento alheio? Já se planeja um repeteco de Vale Tudo? Diz, Shakespeare: "O mundo inteiro é um palco". Aí, baby, lascou.

 

Foto do Romeu Duarte

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