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O paraíba
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

O paraíba

Tipo Crônica

A Wagner Castro

Simplesmente não acreditava no que os seus olhos e ouvidos captavam das imagens transmitidas pela televisão. O homem em quem votou para presidente, o seu tão amado e admirado mito, aquele que seria a redenção do país, o que livraria o povo brasileiro dos petralhas e esquerdistas com o Brasil acima de tudo e Deus acima de todos, estava, como sempre, de expressão tensa e dentes cerrados, dizendo ao seu ministro que, "dos governadores de paraíba, o pior era o do Maranhão". Paraíba, a palavra ressoava na sua cabeça como uma dura ofensa. Sabia perfeitamente o que significava o vocábulo, pois era assim que jocosamente o chamavam nos anos em que ralou no Rio de Janeiro. Ainda ecoava nas oiças a gaitada dos cariocas, irônica, pérfida, cruel...

A semana tinha sido muito difícil e ele fazendo tudo ao seu alcance para defender o seu herói da ira alheia, que se tornava, aliás, cada vez mais frequente e intensa. O rebaixamento do orçamento da nação (a economia em pandarecos), a negação do desmatamento da Amazônia (registrado por satélites), a indicação do filhote para a embaixada brasileira nos EUA (sapo de complicada deglutição), a retirada do controle de velocidade nas estradas (mais rapidez, mais acidentes, mais mortes), a eliminação das taxas ambientais em Fernando de Noronha (tremei, golfinhos e tartarugas!), o lançamento do foda-se, ops, fature-se, ops, future-se, o fim dos conselhos, a criação da marca vira-lata Brazil, o sumiço de remédios das farmácias populares e mais essa agora...

Pensava em tudo isso enquanto se dirigia para o almoço de família no domingo ensolarado. Seu aborrecimento só aumentou ao ver o capitão de chapéu de vaqueiro, com seu sorriso sardônico, na inauguração do aeroporto baiano, ao lado dos puxa-sacos de sempre e cercado de snipers e minutemen por todos os lados. A agressão ao governador da Bahia, posterior à feita ao colega maranhense deste, só piorava as coisas por colocar em risco a existência da União, o que poderia valer ao destrambelhado prócer até mesmo um impeachment. Ao chegar à casa da mãe, o cunhado já o esperava, a mangoça na ponta da língua: "Diz aí, paraíba bozoca, como é que tu aguenta um negócio desses, macho?" Fechou a cara e entrou. Sabia que era só o início da galhofa.

Sua genitora arrumava os pratos e os talheres sobre a mesa e saiu em sua defesa: "Deixem o menino quieto. Vamos almoçar em paz". A irmã, ferina que só ela, tascou: "Como pode um nordestino ser humilhado pela sua origem e ainda proteger e idolatrar quem o menosprezou? Só sendo burro mesmo...". A família toda riu, até as crianças. Foi a conta. Deu um murro na mesa e disse que ali não ficava mais. "Vai mesmo", disse o cunhado, "mas, antes, aprende a votar, paraíba". Só não reagiu por medo da mãe sentir alguma coisa, velhinha, doente do coração. Entrou no carro e se dirigiu a um bar nos arredores. Pediu uma cerveja. Numa mesa vizinha, faziam a mesma gozação com um sujeito. "Outro sofredor", ruminou amargo, "e o diabo é que somos cada vez menos...".

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