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Ai da base
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

Ai da base

Chega ao meu birô, como diz meu amigo Lúcio Brasileiro, a infausta notícia da venda e demolição de algumas casas da vila da Base Aérea de Fortaleza. Há muito abandonadas, deverão ser alienadas pela Aeronáutica para o Governo do Estado. Situadas entre a Avenida Aguanambi e a sede da Polícia Federal, fazem parte do conjunto original do vetusto equipamento militar, projetado pelo arquiteto Emílio Hinko em 1940. Tangido pela nostalgia, o pensamento voa e se instala em meados dos anos de 1960, quando aqui cheguei. Morei no Cocorote, os caças em rasantes. Depois na Travessa Santa Cruz, vizinha ao campo do Maravilha. Por fim, na Avenida Borges de Melo, em frente à igreja nova de Nossa Senhora de Loreto, padroeira dos aviadores. Quanta saudade...

Costumo dizer que a querida Base, onde residi por 15 anos, foi a minha principal escola de vida. Não que tivesse qualquer pendor castrense, nada disso. Refiro-me às amizades que lá fiz e às vivências que construímos juntos. As guerras entre os lados norte e sul da vila, os rachas e bailes no B-25, as corridas de carrinhos de rolimã, os roubos de frutas nos quintais alheios, o vai e vem dos aviões na Semana da Asa. E as inúmeras histórias? O sujeito de maus bofes que batia na mulher de dia e de noite também, a esposa dedicada que traía o marido com o vizinho, o garoto que fugiu de casa para ser hippie, a moça a quem o namorado fez mal (ou bem), a burra que bebia coca-cola e por aí vai. Mil coisas, talvez dê um livro, o diabo é que ainda tem muita gente viva...

O declínio da Base começou, a meu juízo, quando do rumoroso caso, ainda não de todo solucionado, que associou o assassinato de dois recrutas ao capelão e ao comandante do quartel. Meu pai, revoltado, dizia entre dentes: "Trabalhamos tanto para merecer isso?". Quando descaracterizaram o pórtico de acesso para construir um monstrengo por trás, vi que a vaca estava indo para o brejo. Mais: o sumiço dos jatos, a perda de atribuições e a relevância estratégica cada vez maior da base de Natal foram os últimos pregos no seu caixão. Vivi o seu auge e agora assisto, contristado, aos seus estertores. Meu olhar mira o céu na busca dos T-6, T-38, F-80, Hércules, F-5, Mirages e nada. Onde estão meus brinquedos da infância? O firmamento me responde calado.

O que será da Base Aérea de Fortaleza? Será também vendida, para gáudio da especulação imobiliária? Seus elegantes prédios em estilo missioneiro serão derrubados para dar lugar a insossas torres residenciais? Sua história será apagada do mapa das lembranças desta Loura Esquecida do Sol? Será apenas mais um doído quadro pregado na parede da (des)memória? O céu, de brigadeiro, continua em silêncio, nenhum bicho voando na redoma azul. Robledo, Geraldo, Renato, Bebel, Eduardo, Júnior, Paulinho, Mana, Abelardo, Marta, Paulo, Sílvio, Beta, Gilson, Ana Lúcia, Arnaldo, Haroldo, Rosita, Fernando Miguelito, Mingo, Marcelo, Edgar, Nonato, Bombinha, João Eudes, César, Quinzé, Marlon, Everaldo, Marcos, Fátima, Dudu, o que vai ser de nós?

Foto do Romeu Duarte

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