Um aluno comentou esses dias acerca de um outdoor estampado nas ruas da nossa cidade no qual uma das grandes empresas educacionais explicita o percentual de aprovação de seus alunos em medicina, sendo que um "detalhe" intrigou o aluno. O que estava escrito logo abaixo: não cotistas. "Um absurdo", disse o jovem acadêmico.

De fato, os grandes estabelecimentos de ensino estampam em jornais e outdoors o que acreditam ser o melhor marketing, alunos aprovados nos cursos mais disputados.

Medicina, ITA e IME são sempre os códigos que referenciam o êxito de um colégio. Nessas mesmas escolas, a versão "baby class" do Enem, o Enenzinho, é aplicado em crianças de dez anos! E o que é mais curioso, muitos papais e mamães adoram!!!

Fico imaginando os desdobramentos do que esse meu pupilo "escutou" no referido outdoor. O percentual de aprovados em determinado curso e, logo abaixo, entre os não homossexuais. Ou o inverso. Entre os não binários e os binários. Entre os não transexuais e os transexuais. Entre os não nascidos no Ceará e os nascidos aqui. Entre os não atletas e os atletas. Entre os portadores de alguma patologia e os não portadores. A lista é infinita.

Não consigo deixar de pensar no filósofo e ensaísta alemão, Walter Benjamin e seu conceito de história, quando ele aponta a configuração contraditória do processo de modernidade na qual a ideia de progresso implica a presença paradoxal da barbárie.

Vivemos tempos sombrios, onde o salve-se quem puder é palavra de ordem. Tempo de falência daquilo a que chamamos civilidade, ética, respeito à alteridade, humanidade. É o esgarçamento do enlaçamento social onde o outro é inimigo e rival.

No ensaio intitulado "Mal-Estar na Civilização", Sigmund Freud apontou as três grandes fontes dos nossos sofrimentos: nosso próprio corpo, o mundo externo e nossos relacionamentos com os outros homens, sendo esse último o que mais nos fere.

Esse encontro do EU com o outro está, inexoravelmente, inscrito em uma dimensão trágica. E é dessa dimensão o estranhamento que o tal outdoor causou no aluno. Que bom, disse a ele, que você está estudando a teoria psicanalítica e a compreendendo como um discurso crítico sobre a cultura e também como força transformadora da sociedade. n