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Em situações sem saída, a loucura é sempre uma saída
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Psicóloga e psicanalista

Em situações sem saída, a loucura é sempre uma saída

O que chamamos de psiquiatrização e medicalização da vida talvez seja uma das marcas lamentáveis do nosso tempo. Desafio você, leitor, a ir a um psiquiatra dizendo que está triste porque terminou um relacionamento, por exemplo
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STF revela que Bolsonaro usou ferro de solda em tornozeleira eletrônica (Foto: STF/Divulgação)
Foto: STF/Divulgação STF revela que Bolsonaro usou ferro de solda em tornozeleira eletrônica

Realizado nos últimos dias 30 e 31 de outubro na Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, o 9º Seminário Internacional intitulado "A Epidemia das Drogas Psiquiátricas" teve como um dos palestrantes o jornalista americano Robert Whitaker, autor de "Anatomia de uma Epidemia", "Desmedicar - A Luta Global Contra a Medicalização da Vida", entre outros.

O que Whitaker sinalizou e que vai de encontro com a leitura que fazemos há muito tempo é o fato de que os jovens querem diagnósticos psiquiátricos. Esse é talvez um dado mais recente, muito embora, o que chamamos de psiquiatrização e medicalização da vida sejam uma das marcas mais lamentáveis do nosso tempo. Desafio você, leitor, a ir a um psiquiatra dizendo que está triste porque terminou um relacionamento, por exemplo.

Certamente sairá da consulta com um diagnóstico (depressão) e uma (ou mais de uma) prescrição medicamentosa (um antidepressivo, um ansiolítico). Há alguns anos reuni um grupo de alunos da graduação em Psicologia e realizamos uma pesquisa na qual cada um marcou consulta com um psiquiatra dizendo exatamente a mesma coisa: estavam tristes porque haviam terminado um relacionamento.

Todas as demais informações acerca da vida dos voluntários foram mantidas. TODOS, sem exceção, saíram das consultas com o diagnóstico de depressão e a todos foram feitas prescrições de psicotrópicos. Não fui nada original.

Peguei carona em uma outra pesquisa conduzida por um psicólogo americano, David Rosenhan, intitulada "Sobre ser são em lugares insanos" que teve como objetivo colocar em xeque o diagnóstico psiquiátrico. Entre 1969 e 1972, Rosenhan reuniu oito colaboradores (pseudopacientes), incluindo ele próprio, que procuraram hospitais psiquiátricos forjando um único sintoma: escutar vozes. Todos foram admitidos nas instituições, receberam diagnósticos e medicações. Depois de algum tempo, foram recebendo alta com a observação de que os sintomas estavam em remissão. Rosenhan foi o que ficou mais tempo internado (52 dias) mesmo dizendo aos médicos que estava sentindo-se melhor.

Essa pesquisa, além de denunciar abusos e negligências sofridas pelos pseudopacientes nas instituições psiquiátricas também serviu para questionar a capacidade dos psiquiatras fazerem diagnósticos e distinguirem insanidade de sanidade.

Na semana em que um sujeito em prisão domiciliar afirmou ter escutado vozes vindas da sua tornozeleira eletrônica, depois de ter dado outras duas versões para o fato de ter tentado livrar-se do equipamento, só consigo pensar que, em situações sem saída, a loucura é sempre uma saída! Viva a Democracia!

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