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Invisibilidade do trabalho de cuidado: dicas de livros para ler com as crianças
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Sara Oliveira é repórter especial de Cidades do jornal O Povo há 10 anos, com mais de 15 anos de experiência na editoria de Cotidiano/Cidades nos cargos de repórter e editora. Pós-graduada em assessoria de comunicação, estudante de Pedagogia e interessadíssima em temas relacionados a políticas públicas. Uma mulher de 40 anos que teve a experiência de viver em Londres por dois anos, se tornou mãe do Léo (8) e do Cadu (5), e segue apaixonada por praia e pelas descobertas da vida materna e feminina em meio à tanta desigualdade.

Sara Oliveira cotidiano

Invisibilidade do trabalho de cuidado: dicas de livros para ler com as crianças

O tema da redação do Enem levou o Brasil a olhar para um tema invisibilizado. Alguns livros podem trazer informações importantes para pais e crianças
Tipo Análise
Capa do livro Estamos Todas Bem (Foto: Portal Quindim)
Foto: Portal Quindim Capa do livro Estamos Todas Bem

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No tema da Redação do Enem 2023, “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”, a palavra invisibilidade foi a que mais me chamou atenção. Para superar os desafios, enfrentar o que for necessário e mudar uma realidade tão cruel é preciso subverter a lógica, desde o início. Como voltar no tempo ainda não é possível, fazer 3,9 milhões pensar sobre isso é um passo importantíssimo.

Meus filhos, de 4 e 7 anos, precisam pensar sobre isso. Eles já o fazem, sempre que me veem dando conta de tudo que precisa e explicando cada detalhe injusto dessa rotina. Mas a jornalista Juliana Matos Brito, mãe e parceira, me indicou um link com dicas de livros infantis que trabalham o tema de forma pedagógica. De pronto já busquei informações e me deparei com histórias que traduzem - e muito - a rotina das mulheres, de mães, dos seus filhos, e dos pais dos seus filhos.


Como tudo isso reflete no dia a dia é mostrado em algumas dessas leituras, passando por diferentes temas e questões que justificam a realidade. Capitalismo, onde galinhas operárias seguem orientações dos galos para maior produção e perdem sua individualidade e momentos de autocuidado; sensibilidade, discutindo o quão importantes são as lágrimas para nosso crescimento como indivíduo; dedicação, quando mães a avós negligenciam quem são por estarem sempre sendo relacionadas primeiramente ao outro, especialmente homens; e inclusão, em uma história desenhada pelo filho autista a partir da narração da mãe e das suas dificuldades e cobranças.   

A mulher já tem obrigações antes mesmo de nascer. Quem nunca ouviu alguém dizer que queria ter uma filha mulher pra ser cuidado (a) na velhice. O conceito de invisibilidade se respalda nas vidas femininas que, por gerações, carregam consigo responsabilidades que quase nos fazem pensar que “é assim mesmo”. Não é.

Capa do livro Nori e Eu(Foto: Portal Movimento Literário)
Foto: Portal Movimento Literário Capa do livro Nori e Eu

Esses dias lembrei da pandemia, do home office e de como eu precisei dar conta de trabalho, casa e filhos. A desigualdade de gênero nos afazeres domésticos se acentuou ainda mais durante o isolamento social e diferentes pesquisas e matérias provaram isso.

Mesmo assim, quando respirei fundo lembrando da peleja que foram os 18 meses em que trabalhei ainda mais dentro da minha casa, escutei: “ah, mas você gostava, pois estava perto dos filhos”. Quem disse isso? Um homem que soube de tudo o que passei. E ainda assim ele se achou no direito de concluir que foi bom, só porque estava perto dos meus filhos.

Quantos casamentos que chegam ao fim têm como principal motivo exatamente a sobrecarga de trabalho e a desigualdade entre direitos e deveres de homens e mulheres. Não, eu não gostava de estar editando matérias sobre mortes ao mesmo tempo em que amamentava o filho mais novo e acompanhava a aula online do filho mais velho. Na verdade, foi traumatizante.

Página do livro Chocados: Uma História de Galinhas(Foto: Portal Quindim)
Foto: Portal Quindim Página do livro Chocados: Uma História de Galinhas

Racismo, machismo, patriarcado, cansaço, injustiça, desigualdade, fingimento de incompetência. São algumas das palavras que colegas jornalistas destacaram quando questionados sobre essa realidade. Com certeza seriam palavras a serem usadas por alguns estudantes que escreveram o que a redação do Enem exigia.

E quem não conhece o peso dessas palavras, bastaria então entender de números. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) 2022, feita pelo IBGE, mostra que as mulheres dedicam aos afazeres domésticos e cuidados com as pessoas, quase o dobro de horas que os homens. Se for uma mulher preta e pobre, a situação é ainda pior.

Depois de ver o tema da redação naquele domingo, pensei como seriam os textos das tantas mães e mulheres que conheço e que nunca conseguiram se livrar das obrigações que a sociedade impôs. Quantas notas "mil" teriam lugar certo nos outdoors da Cidade. Uma figurinha me foi apresentada uma vez e nunca fez tanto sentido, além de resumir, em dois quadradinhos, tantas injustiças. Uma mulher limpava a casa e o marido assistia à TV, então ela começava a gritar e brigar. Ele, bem calmo, só dizia: “se você tivesse pedido, eu faria”.

 

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