Logo O POVO+
Bolha da masculinidade precisa ser furada para falarmos sobre feminicídios
Comentar
Foto de Sara Oliveira
clique para exibir bio do colunista

Sara Oliveira é repórter especial de Cidades do O POVO há 10 anos, com mais de 15 anos de experiência na editoria de Cotidiano/Cidades nos cargos de repórter e editora. Pós-graduada em assessoria de comunicação, estudante de Pedagogia e interessadíssima em temas relacionados a políticas públicas. Uma mulher de 40 anos que teve a experiência de viver em Londres por dois anos, se tornou mãe do Léo (8) e do Cadu (5), e segue apaixonada por praia e pelas descobertas da vida materna e feminina em meio à tanta desigualdade

Sara Oliveira comportamento

Bolha da masculinidade precisa ser furada para falarmos sobre feminicídios

O que leva ao feminicídio está enraizado. E tem como ponto central o machismo e o patriarcado, sistemas que fazem com que as mulheres sejam vistas de forma inferior, como objeto, que pode pertencer a alguém
Comentar
Ato Levante Mulheres Vivas, na Praia de Iracema, em Fortaleza (Foto: DANIEL GALBER/ESPECIAL PARA O POVO)
Foto: DANIEL GALBER/ESPECIAL PARA O POVO Ato Levante Mulheres Vivas, na Praia de Iracema, em Fortaleza

O homem que comete feminicídio pode ficar até 40 anos preso. A medida protetiva para uma mulher em perigo pode ser concedida em poucas horas. Há cada vez mais locais de acolhimento de denúncias e de vítimas. Campanhas educativas já orientam sobre igualdade de gênero nas escolas. Tudo isso não era realidade há até pouco tempo, enquanto a violência contra a mulher existe desde sempre.

Nas últimas semanas, casos de mulheres desfiguradas, atropeladas, estupradas e mortas ganharam ainda mais manchetes dos jornais e postagens nas redes sociais. E uma das perguntas mais debatidas é o por que de, mesmo com tantas mudanças legislativas e de políticas públicas, os casos de agressão e de feminicídios aumentam.

Leia Mais | PM é morta por companheiro, também policial, durante discussão no Eusébio

Suponho que não haja uma única resposta, não tem como haver. Os fatores relacionados à violência de gênero são múltiplos, com diferentes formas de execução, identificação e, também, suponho, possíveis soluções. O que leva ao feminicídio está enraizado. E tem como ponto central o machismo e o patriarcado, sistemas que fazem com que as mulheres sejam vistas de forma inferior, como objeto, que pode pertencer a alguém.

O comportamento abusivo, violento e criminoso contra mulheres é fruto de uma sociedade que molda suas relações dentro de parâmetros que utilizam esses sistemas. Tudo validado por questões religiosas e pela ideia equivocada de que o instinto masculino e a importância da família justificam uma união desigual, agressiva e misógina.

A fala do presidente Lula (PT), quando esteve no Ceará no início de dezembro, em que ele afirmou liderar um movimento "dos homens que prestam", me fez pensar mais sobre a importância de falar sobre violência de gênero com os homens.

Leia Mais | Ceará tem maior número de casos de feminicídio desde 2018, mesmo com falhas no registro

"Nós, homens que temos caráter, que tratamos as mulheres com respeito, não podemos aceitar que alguém ligado a gente seja violento com a mulher", disse Lula, durante evento de Educação e em meio às tantas repercussões dos casos de mulheres mortas no Brasil.

O presidente está certo quando chama à ação. A violência passa por normalidade em muitas reuniões de famílias e amigos, em comentários, em brincadeiras, no cafezinho do trabalho. Homens precisam furar suas bolhas de masculinidade, que têm por essência não rechaçar amigos que falam de mulheres - tal como é proibido falar sobre sentimentos.

E as pessoas precisam entender que violência não é só o feminicídio. O termo "relação tóxica e abusiva" pode também esconder, na cortina do que é socialmente mais palatável, a violência contra mulheres que são silenciadas, envergonhadas e hostilizadas.

Leia Mais | Mulheres lotam Praia de Iracema em manifestação contra feminicídio

O que me incomoda na fala do presidente é a aparente separação que ele impõe entre homens do bem e homens do mal. Quando, na verdade, os motivadores que levam ao feminicídio estão em todos nós, nas ações que insistimos em reproduzir sem discutir e problematizar como deveríamos.

Costumo ouvir homens xingando outros homens que matam e batem em mulheres, se colocando fora do modus operandi social que fazem de ações cotidianas métodos para que a violência continue. Agem como se não soubessem o porquê de mulheres serem espancadas e mortas todos os dias. E sabem, só não fazem o que deveriam fazer.

 

Foto do Sara Oliveira

A mulher na sociedade, no mercado de trabalho, na política e nas lutas feministas. Isso e muito mais. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?