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De qual escola precisamos?
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Jornalista, Professora, Empreendedora social, Mestre em Educação (UFC). Nesta coluna Cidade Educadora, escreve sobre os potenciais educativos das cidades, dentro e fora das escolas

De qual escola precisamos?

A solução está na formação individual e coletiva respeitosa, em um processo fermentado a longo prazo, assim como foi o processo de maturação das causas que deflagraram os atos de violência.
Tipo Análise
Escola é o desaguar de vários rios sociais  (Foto: CDC/Unsplash)
Foto: CDC/Unsplash Escola é o desaguar de vários rios sociais

 

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As transformações sociais por que vimos passando, nos últimos anos, e os atos de violência explícita que vêm se repetindo, nos ambientes escolares, nos atordoam e nos fazem questionar sobre causas de crimes tão cruéis.

Nas descrições das ações, a escola atacada, quase sempre, é alvo de pessoas que pertencem ou já pertenceram àquele espaço específico e que driblam bloqueios, muros, portões e vigilâncias, separadores entre escola e mundo externo, em um rompante de ódio e de vingança. Uma metáfora nefasta da retroalimentação de um círculo vicioso entre escola e sociedade. Que valores sociais temos ensinado, aprendido e combatido, nas instituições de ensino?

Eu já estive dentro das escolas brasileiras, exercendo vários papéis. Já vivi um bocado de coisa. Já me surpreendi positiva e negativamente. A cada dia, tenho mais certeza de que a escola é o mar do desaguar de vários rios sociais, poluídos ou não pela própria escola.

O atual sistema de ensino brasileiro, infelizmente, adota metodologias ainda muito excludentes e preconceituosas, e ainda é muita regida por valores religiosos conservadores.

A escola brasileira, pública ou privada, mas, principalmente a pública, levando em consideração que temos 80% das nossas crianças e adolescentes dentro dela, ainda valoriza pouco os potenciais de aprendizados ligados às artes, à humanidade, à cidadania, à cultura, ao esporte e ao fortalecimento dos aspectos socioemocionais dos estudantes. Digo isso, é preciso que se enfatize, com lugar de fala, a partir de experiências como professora das duas redes, por mais de uma década; como mãe de escola pública durante muitos anos e como pesquisadora da educação pública brasileira, com dissertação recém-defendida na área.

Há uma veneração por provas externas e números objetivos, baseados nos conhecimentos sistematizados das disciplinas tradicionais. Condiciona-se boa parte do currículo a habilidades de memorização, quase nada de experiências práticas e relacionais com pessoas e culturas. Nesse contexto, dá-se bem um pequeno número de estudantes que se encaixa no processo; não sem prejuízos e traumas. O restante do quantitativo insere-se no rol dos estudantes regulares ou “perdidos”, em um parâmetro que rotula, segrega e discrimina.

Constrói-se bem pouco, dentro das escolas, realidades de cooperação entre os mais fortes e os mais fracos, no processo de aquisição dos conhecimentos; de valorização de talentos na pintura, na música, nos desenhos, na escrita, na cultura regional; de compreensão dos próprios aspectos emocionais, em fases tão determinantes, como são as infâncias e as adolescências. Aliás, faltam psicólogos e assistentes sociais no dia a dia das escolas.

Por outro lado, precisamos de uma sensatez social desnuda de valores religiosos que insistem em deturpar aprendizados necessários acerca do ser humano em sua inteireza, enquanto ser individual e coletivo, como os saberes ligados à educação sexual e à igualdade racial e de gênero. Precisamos de uma educação que pensa o homem e o seu processo de formação psíquica desapegados de crenças que condicionam o ser humano a olhares e a comportamentos de exclusão, de indiferença e de superioridade.

Passamos, no mínimo, nove anos na escola, mas há crianças, como os meus filhos, que somarão 17 anos de escola, antes de se tornarem adultos, já que frequentam berçários desde os quatro meses de idade, para atender as demandas empregatícias do mercado. Já há aí o início do que pode se tornar, em cada vida, um problema imenso. Sem falar no sistema de ensino integral, pauta para outra coluna. Sim, a escola, queiramos ou não, é das influências mais determinantes no tempo de formação mais importante do ser humano, um tempo de lapidação de personalidades e de apreensão de valores e crenças.

Por tantos fatores, não à toa, diante de descasos, omissões, e distorções, a escola é alvo de ódio e de vingança.

A solução, na minha opinião, não é única nem pontual nem rápida, como encher os espaços de seguranças armados. A solução está na formação individual e coletiva respeitosa, em um processo fermentado a longo prazo, assim como foi o processo de maturação das causas que deflagraram os atos de violência. O que precisamos rever são nossas posturas, pedagogias e metodologias de ensino. Depois disso, esperar mais outro longo período até que a roda comece a girar ao contrário.

Foto do Sara Rebeca Aguiar

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