
Jornalista, Professora, Empreendedora social, Mestre em Educação (UFC). Nesta coluna Cidade Educadora, escreve sobre os potenciais educativos das cidades, dentro e fora das escolas
Jornalista, Professora, Empreendedora social, Mestre em Educação (UFC). Nesta coluna Cidade Educadora, escreve sobre os potenciais educativos das cidades, dentro e fora das escolas
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Neste tempo de férias dos colégios, nada aperreia mais o coração dos pais com filhos pequenos, e que trabalham fora oito horas por dia, do que pensar nas crianças o dia inteiro em casa, à mercê dos eletrônicos. Por isso, desde muito cedo, as colônias de férias foram a solução, lá em casa, duas vezes por ano. Porém, para mim, na mesma medida da necessidade, chegava-me também a da frustração, diante de programações bem pouco inovadoras, do ponto de vista de oferecer opções que saiam da rotina de ambientes e de brincadeiras dos dias letivos. Isso se torna ainda mais inquietante, à medida que eles vão crescendo. Sempre, é mais do mesmo.
Depois de passar por cerca de dez colônias de férias, como mãe, resolvi, eu mesma, montar um evento que eu sempre idealizei, para os meus filhos e para as crianças de outras famílias que topassem o convite à experimentação e à aventura. Já à frente do projeto Vida Ciranda, havia mais de 1 ano, realizei o evento Culturas e Relações, em Fortaleza-CE, durante duas semanas de julho de 2018. Até hoje, uma das experiências mais iluminadas e incríveis que eu já vivi.
Foram dez manhãs de atividades temáticas: Libras, Braile, Africanidades, Passeio Cultural (Museu do Ceará e piquenique Passeio Público), Reciclagem, Solidariedade (visita e doação ao Iprede), Arte Circense, Cultura Indígena, Passeio Cultural (Casa José de Alencar - visita guiada e piquenique) e Gratidão. Em todas elas, convidados e oficinas sobre a temática referente.
A colônia de férias Culturas e Relações contou com a presença dos educadores do Núcleo de Acessibilidade do Dragão do Mar, do Instituto dos Cegos do Ceará, do intérprete de Libras Felipe Maranhão, do ator Lauro Matos, da professora Sandra Petit (Unilab/UFC), do professor Trindade (Unilab - UFC / GuinéBissau), do educador patrimonial Gerson Linhares e do Bode Ioiô, de recicladores da comunidade Maravilha, da Companhia Laguz Circo, de representantes da comunidade indígena Jenipapo Kanindé e da jornalista e escritora Ana Márcia Diógenes, autora do livro discutido durante a colônia, chamado “De Esfulepante a Felicitante, uma questão de gentileza”, além de crianças cegas e surdas e as famílias delas.
A iniciativa inseriu as 30 crianças participantes da colônia em universos, até então, distantes ou inexistentes para muitas delas, como a interação sensitiva entre meninos e meninas ouvintes, surdas e cegas, sem protocolos, sem scripts. Eles assistiram a espetáculo de palhaçaria, arriscaram-se em oficinas de malabares, tocaram djembe, comeram fufu de inhame, pintaram o corpo com urucum, dançaram toré, ouviram dos indígenas Heraldo Alves (Preá) e Carline Alves histórias da nossa ancestralidade de respeito à terra.
Os participantes caminharam pela cidade, fizeram piquenique debaixo de um baobá, visitaram museus e exposições, conheceram narrativas da infância de José de Alencar; lancharam juntos, com crianças que dependem de doações para continuar sobrevivendo, em um mundo ainda tão desigual e injusto; sentiram as dificuldades do dia a dia de um reciclador e reconheceram a importância dele, e de hábitos de reciclagem, para a sociedade inteira. Houve conversas sobre a importância de agradecer, de cuidar de quem amamos e cultivar o estado de alegria sempre conosco.
A colônia, vale destacar, ainda cumpria a responsabilidade de uma alimentação inclusiva e natural. Todos os lanches, desde os bolos aos bombons de chocolate servidos, foram pensados também para crianças com alergias ou intolerâncias. Todas as crianças comiam o que quisessem comer, sem restrições. Tudo feito por mim e pela jornalista e educadora Cássia Alves, que embarcou no meu desejo onírico com entusiasmo e dedicação. Foram dias, noites e madrugadas de devoção àquele sonho que tornamos real.
Foi fácil orquestrar tudo isso? Foi não. Mas foi tão possível quanto recompensador mediar encontros, experiências, aprendizados, descobertas, trocas, quebras de paradigmas, mudanças de pontos de vista. O que sempre busquei para os meus filhos, eu vivi com eles e com dezenas de outras crianças. E pude comprovar, não só como mãe, mas como educadora e pesquisadora da área, como é possível trazer a formação cidadã, e compromissada com o respeito ao outro e ao meio ambiente, para o dia a dia de um brincar livre, de maneira leve, prazerosa e inesquecível.
Neste julho, faz cinco anos da Colônia de Férias Culturas e Relações, que teve uma única edição. Ainda hoje, pais me procuram atrás de colônia e recebo convites para empreender iniciativas semelhantes. Aquelas duas semanas marcaram minha trajetória.
Neste julho de 2023, sigo com duas crianças de férias, em casa, enquanto eu trabalho oito horas por dia, durante a semana. Eles já estão maiores e tem sido mais fácil negociar atividades que conciliam as minhas obrigações com o tempo de folga deles. Faz um tempo que não frequentam colônias de férias, mas, de vez em quando, ainda faço buscas atrás de possibilidades. Bem poucas me despertam interesse. A grande maioria delas ainda naquela de pipoca, cineminha, pintura e pega-pega.
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