Jornalista, Professora, Empreendedora social, Mestre em Educação (UFC). Nesta coluna Cidade Educadora, escreve sobre os potenciais educativos das cidades, dentro e fora das escolas
Jornalista, Professora, Empreendedora social, Mestre em Educação (UFC). Nesta coluna Cidade Educadora, escreve sobre os potenciais educativos das cidades, dentro e fora das escolas
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Abril é sempre marcado por eventos que fazem alusão aos povos originários. Desde 2022, o dia 19 de abril passou a celebrar o Dia dos Povos Indígenas, com a aprovação do PL 5.466/2019, revogando o Decreto-Lei 5.540, de 1943, que instituiu o preconceituoso Dia do Índio. Nessas últimas semanas, alguns fatos têm me trazido a voz indígena com muita força e me feito retornar à reflexão de avaliar meu papel enquanto adulto na condução das crianças que estão ao meu redor.
A criança já é o que precisa ser
Durante palestra promovida pela Biblioteca Pública Estadual do Ceará (Bece), no dia 23/3, ouvi o professor e escritor indígena Daniel Munduruku dizer que as crianças precisam ser radicalmente crianças. “A única coisa que uma criança precisa ser é criança”, destacou Daniel, diante da explicação de que não se pergunta a uma criança indígena o que ela vai ser quando crescer, porque ela já é. Ser pleno em todas as fases da vida, ensina o professor, vem da consciência de viver muito bem a estação que cada fase representa, principalmente, a estação criança, em analogia às quatro estações do ano.
Nesse processo, o pesquisador acredita que cabe aos adultos educar o corpo das crianças, já que deles dependem as condições de plenitude de vida delas: é oferecer jogos, brincadeiras e banhos de rio; é oferecer o subir na árvore, o comer manga no pé; é oportunizar o caminhar pela terra para que a criança reconheça o território em que vive e se sinta pertencente a ele. Para Daniel Munduruku, somente adultos que viveram por inteiro sua estação criança conseguem dar condição a outras crianças de viverem essa fase plenamente.
Em que medida somos tocados por essas palavras? Em um mundo que tem tirado cada vez mais a força da essência da estação criança dos nossos meninos e meninas, a compreensão indígena para o ser criança é um chamado à análise dos nossos papeis de cuidadores deles.
A força da interação criança-comunidade-natureza
O último dia 5 de abril entrou para a história como o dia em que tivemos o primeiro indígena a ingressar na Academia Brasileira de Letras (ABL). Tornou-se imortal o escritor, jornalista, poeta, filósofo, ativista e defensor do meio ambiente Ailton Krenak, conhecido por obras que criticam os excessos do colonialismo e do capitalismo.
Recordo-me agora das palavras de Krenak sobre as infâncias indígenas, que, desde cedo, reconhecem na comunidade e no coletivo suas primeiras referências de orientação afetiva e emocional. Em dezenas de textos e entrevistas já concedidos sobre o tema, Krenak destaca que é na convivência com a natureza que a criança desenvolve atitude colaborativa com o outro e se fortalece enquanto ser humano.
O indígena imortal defende em suas falas a importância da liberdade na vida das crianças, sem tantos controles sociais, e problematiza a escola atual como um espaço que mais tem aprisionado do que libertado as crianças.
Para ele, há aprendizados fundamentais e insubstituíveis que não cabem nos currículos e são encontrados nas horas livres, na percepção do tempo, na contemplação dos ambientes em que se vive e das pessoas com quem se convive, na interação familiar, na criação de laços comunitários. Nisso tudo está também, segundo Krenak, o respeito e a reverência aos patrimônios materiais e imateriais, o que traz a preservação deles como consequência.
Educação para a resistência e a defesa de direitos
Nesta semana, a etnia cearense Jenipapo-Kanindé realizou a XXIV Festa do Marco-Vivo de Yburana, que relembra os anos de demarcação das terras do povo, em Aquiraz. Neste ano, em especial, foi fixada a última placa do processo de demarcação física do território Jenipapo-Kanindé na Terra Indígena Lagoa da Encantada. As crianças indígenas são educadas também para a resiliência, para a resistência e para a defesa dos seus direitos.
Desde 2018, em minhas atuações como jornalista, educadora e mãe, realizo visitas a comunidades indígenas cearenses, principalmente, à aldeia JK. Levo e incentivo crianças e seus cuidadores a experimentarem aprendizados e vivências que estão se perdendo nas nossas rotinas capitalistas emparedadas, tecnológicas e sem tempo. “Deixem as crianças à vontade”, é a frase que mais ouço quando estou por lá.
Confesso que me sinto confortável nesse papel de criar condições de plenitude para as crianças serem crianças, nas palavras de Munduruku. Boa parte da minha infância e adolescência vivi no Interior, com pé na areia, subindo em árvore, brincando no meio da rua em noite de lua cheia. Acho que fui criança plena.
Hoje, a menina que fui me sustenta tanto. Acho também que não me lembro de algum dia precisar responder a pergunta “ O que você vai ser quando crescer?”. Munduruku nos ensinou, naquele dia de março, que essa pergunta é a síntese de toda a pedagogia ocidental, que nos aprisiona, nos oprime e tira de nós a identidade e o pertencimento ao que vale a pena na vida. Ratifico que as crianças indígenas compreendem cedo que elas já são tudo o que precisam ser: criança. Todo o mais é egoísmo e vaidade.
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