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Revolta da Chibata: A resistência do povo negro
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Historiador, pesquisador, escritor, editor do O POVO.Doc e ex-editor de Opinião do O POVO

Revolta da Chibata: A resistência do povo negro

A Revolta da Chibata foi um movimento de resistência ocorrido nas primeiras décadas da República que evidenciou as condições que os marinheiros, preponderantemente negros e mulatos, eram submetidos sob a conivência do Estado brasileiro
Tipo Análise
Marinheiros no encouraçado São Paulo na Revolta da Chibata (Foto: Biblioteca Nacional Digital)
Foto: Biblioteca Nacional Digital Marinheiros no encouraçado São Paulo na Revolta da Chibata

O racismo fazia presença na Marinha do Brasil, proibidos com o advento da República, os castigos corporais mantinham-se como elemento disciplinador entre os marinheiros. A oficialidade composta por brancos, com formação e recursos para sustentar seu status, perpetuava o abismo social com o analfabetismo e miséria dos marinheiros, a maior parte constituída por negros e mulatos, que, em geral, eram alistados por força policial.

Além dos castigos corporais, os marinheiros eram submetidos a baixos salários, péssima alimentação e difíceis condições de trabalho, com quantidade deficiente de pessoal sofriam exaustiva sobrecarga de trabalho.

O Brasil aspirava, no início do século XX, construir a imagem de “ordem e progresso” junto à comunidade internacional, a economia iniciava recuperação com o aumento das exportações atrelado ao plantio de café. Para apoiar tal modelo a Marinha encomendou na Inglaterra quatro encouraçados, na época, os mais potentes do mundo. Marinheiros brasileiros foram enviados à Inglaterra para treinamento dos novos equipamentos, paralelamente, através da integração com marinheiros ingleses, mais politizados e organizados, foram compreendendo as discrepâncias e abusos que estavam submetidos. Uma inspiração para o que viria a seguir veio com o conhecimento do motim dos marinheiros da Armada Imperial Russa, realizado em 1905, no encouraçado Potemkin.

A conscientização dos marinheiros avançava e as degradantes condições tornaram-se insuportáveis, o protesto começava a ser gestado. No retorno da Europa, os marinheiros reuniram-se com o presidente Nilo Peçanha pedindo o fim dos castigos físicos, sem serem atendidos a sublevação ganhou força.

A Revolta da Chibata (ganhou esse nome a partir do livro “A Revolta da Chibata”, de 1959, do jornalista Edmar Morel) foi deflagrada com o castigo de 250 chibatadas do marinheiro negro Marcelino Rodrigues de Menezes, a punição máxima era 25. Em 22 de novembro de 1910 a revolta inicia com os marinheiros controlando os encouraçados Minas Gerais e São Paulo (reflexo da política do café com leite), cruzador Bahia, navio de defesa costeira Deodoro, navio República, navio-escola Benjamin Constant e torpedeiros Tamoio e Timbira. Na disputa pelo controle das embarcações, mortes aconteceram entre oficiais e marinheiros.

O presidente Hermes da Fonseca recebeu telegrama pedindo o fim dos castigos corporais e melhores condições de trabalho. Tiro de advertência foi lançado em direção ao Rio de Janeiro e atingiu cortiço no Morro do Castelo, duas crianças morreram, marinheiros dos navios sublevados cotizaram os custos do enterro delas.

Hermes da Fonseca tencionava terminar a revolta pela força, apesar do esvaziado poderio naval que restava, foi dissuadido e Congresso brasileiro negociou com marinheiros e aprovou anistia a todos. O senador Ruy Barbosa, no começo da revolta, fora contra os rebeldes. No entanto, após tomar conhecimento das condições que eram submetidos passou a defendê-los. Em 26 de novembro chegava ao fim a Revolta da Chibata e acabando com os castigos corporais.

Dois dias após o armistício, Hermes da Fonseca autoriza a Marinha a expulsar todo marinheiro considerado indisciplinado, cerca de 1.200 marinheiros foram afastados. Considerando-se traídos, alguns marinheiros revoltam-se na Ilha das Cobras e são aniquilados pelo governo. O então presidente do Brasil adquiriu poderes extras através do estado de sítio, impôs perseguições, prisões e execuções aos marinheiros, também despachados ao Acre para extração de borracha, construção de pontes e linhas telegráficas.

João Cândido Felisberto, o Almirante Negro


João Cândido Felisberto (1880-1969) foi o líder do movimento conhecido como Revolta da Chibata, ingressou na Marinha do Brasil aos 13 anos, na Companhia de Artífices Militares e Menores Aprendizes no Arsenal de Guerra de Porto Alegre. Em 1895 é transferido como grumete para a capital do Brasil, Rio de Janeiro.

Nos anos de Marinha viajou continentes, adquiriu formação e reconhecimento como líder entre os marinheiros. Integrou grupo que viajou à Inglaterra e, paralelamente, conscientizou-se das terríveis condições que sofriam os marinheiros brasileiros, formados, principalmente, por escravos libertos ou filhos de escravos.

João Cândido exerceu o comando e negociação do movimento, pela imprensa recebeu a alcunha de Almirante Negro, anistiado ao término da revolta foi envolvido no motim da Ilha das Cobras, sendo preso e expulso da Marinha ainda em 1910.

Afastado por pressão dos oficiais da Marinha dos trabalhos que conseguia nas embarcações do cais, passou a sobreviver com biscates e venda de peixes na Praça XV, Rio de Janeiro, até sua morte.

Nos anos 1970, em plena ditadura militar, mesmo sob censura Aldir Blanc e João Bosco lançam a canção “O Mestre-Sala dos Mares”, homenageando João Cândido.

Em 2007, o Museu da República (antigo Palácio do Catete) recebe estátua de João Cândido, no ano seguinte, a mesma é reinaugurada na Praça XV com a presença do presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva.

Foto do Sérgio Falcão

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