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Betinho: ativista da esperança
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Historiador, pesquisador, escritor, editor do O POVO.Doc e ex-editor de Opinião do O POVO

Betinho: ativista da esperança

O exemplo de Betinho tem muito a ensinar ao Brasil de hoje, abismos e desafios teimam em persistir pela apatia, descaso e corrupção. "Quem tem fome, tem pressa" é o chamado do passado aos brasileiros pelo princípio basilar da cidadania inegociável e urgente a todos
Tipo Análise
Capa do dia 10 de agosto de 1997 do O POVO. (Foto: O POVO)
Foto: O POVO Capa do dia 10 de agosto de 1997 do O POVO.

Betinho (Herbert José de Souza) foi sociólogo e ativista dos direitos humanos, viveu de 1935 a 1997. Na adolescência, inicia a militância na Ação Católica, à época sob influência dos padres dominicanos. No curso secundário ingressa na Juventude Estudantil Católica (JEC), na universidade participa da Juventude Universitária Católica (JUC). No período universitário participa das caravanas do Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE) que percorriam o País, conhecendo e interagindo com o Brasil real.

Em 1962, fez parte do núcleo que criou a Ação Popular (AP) na Universidade Federal de Minas Gerais, organização política formada por católicos empenhada em elaborar o socialismo no Brasil. Vivíamos os instáveis anos 1960, movimentos conservadores disputavam os destinos do País com forças progressistas, fortemente representada pela juventude.

Formado em Sociologia, Betinho atuou no Governo João Goulart, nas funções de coordenador e assessor no Ministério da Educação e Cultura, articulando a alfabetização de adultos proposto por Paulo Freire e atuando na Superintendência da Reforma Agrária.

Vive oito anos na clandestinidade após o golpe militar de 1964, exilando-se a seguir no Chile. Lecionou na Faculdad Latinoamericana de Ciencias Sociales, em Santiago, e assessorando o presidente Salvador Allende até sua deposição em 1973. Canadá e México foram seus próximos destinos no exílio.

Em plena ditadura militar, a referência à Betinho na canção “O bêbado e o equilibrista”, de Aldir Blanc e João Bosco – “Que sonha com a volta do irmão do Henfil / Com tanta gente que partiu / Num rabo de foguete / Chora a nossa Pátria mãe gentil / Choram Marias e Clarisses / No solo do Brasil” - correspondia o movimento da sociedade civil pela anistia e retorno dos exilados ao Brasil.

"Das suas frases e aprendizagens sobre à aids e à vida, gosto, particularmente, da seguinte: "Comemorar a vida todas as manhãs"."

Regressa ao Brasil com a anistia, em 1979. Da sua vivência no exílio traz o pensamento da mobilização da sociedade civil desatrelada a partidos e sindicatos. Junto aos economistas Carlos Afonso e Marcos Arruda cria, em 1981, o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).

Hemofílico, como seus irmãos, o cartunista Henfil e o músico Chico Mário, e devido as constantes transfusões de sangue, Betinho adquire aids em 1985. Assume publicamente a condição de portador da aids e trabalha na conscientização das pessoas com a doença, considerada morte anunciada e segregada aos homossexuais. No ano seguinte, ajuda a fundar com outras forças da sociedade civil, a Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), presidindo-a por 11 anos. Das suas frases e aprendizagens sobre à aids e à vida, gosto, particularmente, da seguinte: "Comemorar a vida todas as manhãs".

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Betinho integra, em 1992, o Movimento pela Ética na Política, junto às demais organizações e mobilizações que pediam o impeachment de Fernando Collor - frente às denúncias de corrupção no entorno presidencial. No Governo Itamar Franco é criado o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e Betinho é chamado a participar, passa a ser o grande mobilizador nacional da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) constatou que haviam mais de 32 milhões de brasileiros abaixo da linha de pobreza em 1993, à época, o Brasil tinha uma população aproximada de 156,8 milhões. A mobilização da sociedade civil, artistas, poder público, instituições e a população espalharam-se em várias ações pelo País, aprendíamos com Betinho que os abismos sociais podiam ser superados com esperança e solidariedade com a participação de todos.

O Natal Sem Fome foi um desdobramento da Ação da Cidadania. O slogan “Quem tem fome, tem pressa” captou a sensibilidade e a urgência que o Brasil foi convidado a participar e perdura até hoje como alerta que não podemos esquecer a miséria que persiste em cada cidade, ainda mais no presente do nosso País com milhões de desempregados e abandonados na tragédia da pandemia da Covid-19, crise econômica e política no Brasil atual.

"O slogan “Quem tem fome, tem pressa” captou a sensibilidade e a urgência que o Brasil foi convidado a participar e perdura até hoje como alerta que não podemos esquecer a miséria que persiste em cada cidade."

Itamar Franco indica Betinho ao Prêmio Nobel da Paz, em 1994, premiação ganha por Yasser Arafat, Shimon Peres e Yitzhak Rabin. Dentre os vários prêmios ao longo da vida, destaca-se o Global 500, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.

Priorizar a democratização da terra como forma de combater a fome e gerar emprego foi incluída na bandeira da Ação da Cidadania, em 1995. O engajamento e apoio da sociedade resultou na “Carta da Terra”, escrito por Betinho.

Debilitado, em virtude das complicações da aids, Betinho falece em 9 de agosto de 1997. A Comissão da Anistia concede, em 2010, reparação à sua família devido a perseguição sofrida na ditadura militar, comprovada por documentos do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS).

Foto do Sérgio Falcão

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