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Sedição de Juazeiro: Guerra civil e santa no Ceará
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Historiador, pesquisador, escritor, editor do O POVO.Doc e ex-editor de Opinião do O POVO

Sedição de Juazeiro: Guerra civil e santa no Ceará

A sedição de Juazeiro é um marco na História do Ceará, sua compreensão traz múltiplas leituras sobre a religiosidade, política e comportamentos de uma geração que refletem nos anos seguintes e auxiliam na formação da cearensidade
Tipo Análise
Sedição de Juazeiro está entre os acontecimentos registrados no mapa.  (Foto: Reprodução Portal de Juazeiro)
Foto: Reprodução Portal de Juazeiro Sedição de Juazeiro está entre os acontecimentos registrados no mapa.

A sedição de Juazeiro foi um desdobramento da queda de Nogueira Accioly (abordado na coluna da semana passada), Franco Rabelo após vencer as eleições passou a governar o Ceará implementando perseguições aos adversários políticos para consolidar seu poder. A região do Cariri era reduto dos “coronéis” fiéis à oligarquia acciolina e padre Cícero uma das maiores lideranças. A trajetória de Juazeiro do Norte ligava-se diretamente ao padre Cícero, responsável por sua transformação nas últimas décadas, idolatrado pelos romeiros, beatos, jagunços e cangaceiros arrependidos de todo Nordeste que lá se refugiavam sob sua proteção. A cidade transformava-se economicamente sob a proteção política de Cícero, rivalizando com o histórico poderio do Crato.

O Governo Franco Rabelo destitui padre Cícero como vice-presidente estadual e intendente (prefeito) de Juazeiro, deposição dos cargos públicos dos seus aliados e crescente interferência na cidade. Os apelos do padre não surtem efeito e teme-se a destruição do seu legado.

Floro Bartolomeu ascende na política cearense pela influência e amizade com padre Cícero, representando os interesses do padre recorre no Rio de Janeiro a interferência de Pinheiro Machado, à época, senador de grande influência política no Governo Federal e articulador das oligarquias estaduais que pudessem garantir-lhe fácil condução à Presidência da República. Em agosto de 1913, com a participação de Nogueira Accioly, depois de breve retorno ao Ceará após sua deposição e aproximação passageira com Franco Rabelo, articula-se na capital federal a deposição do governante cearense.

O plano consistia em depor Franco Rabelo convocando Assembleia Legislativa que não referendaria o governo eleito, após o embate de forças subsequente intervenção federal se imporia no Estado apeando Rabelo do poder.

 

Ameaça de invasão elege Floro Bartolomeu

 

Franco Rabelo descobre o plano e determina invasão de Juazeiro. Em 12 de dezembro de 1913, Floro Bartolomeu é “eleito” presidente do Estado por seis deputados (total eram 30) na Assembleia Legislativa dissidente. Ante a ameaça de invasão a população de Juazeiro, incluindo seguidores do padre Cícero vindos de vários estados nordestinos, constrói vala em torno da cidade para servir de trincheira aos combatentes ficando conhecido como “Círculo da Mãe de Deus”.

O cerco de Juazeiro e os dois ataques sofridos pelas forças de segurança do governo estadual foram rechaçados, a resistência amparava-se fortemente na devoção dos romeiros e jagunços junto ao padre Cícero e a liderança direta de Floro Bartolomeu conduzindo as forças e reações campais. Enquanto poderio bélico Juazeiro caracterizava-se por munição reduzida e armas, quando haviam, da própria população. As armas dos aliados federais prometidas no planejamento da sedição nunca chegariam. “O povo de Juazeiro contava, segundo Otacílio Anselmo, com 3.345 jagunços, 600 rifles, 2.500 espingardas de caça, 150 bacamartes, 80 reiúnas e 15 fuzis, 4 mil tiros de rifle. Durante a batalha mulheres, velhos e crianças recolhiam as cápsulas vazias para serem recondicionadas”.*  

 

As revoltas messiânicas do Brasil 

 

Estudiosos apontam, no Brasil, três grandes revoltas messiânicas: Guerra do Contestado, 1912; Guerra de Canudos, 1896; Sedição de Juazeiro, 1914. A sedição de Juazeiro por mais que discordasse da autoridade do presidente do Estado Franco Rabelo, servia a interesses políticos de grupos alijados do poder e contestação à “política das salvações”. A sedição representava a disputa de forças políticas pelo poder.

No centro da disputa encontrava-se padre Cícero, força mística, religiosa, reverenciado e adorado por seus seguidores, líder político e aliado dos “coronéis” do Cariri. Quando ameaçado pelas forças estaduais, romeiros e jagunços entregaram-se à proteção do “santo padim Ciço”.

Padre Cícero abençoava os batalhões guerrilheiros que deviam pautar-se em oito princípios: “1. Não beber álcool; 2. Não desperdiçar cartuchos; 3. Penetrar lentamente na cidade, dando tempo às famílias de fugirem; 4. Não perseguir os fugitivos; 5. Não tirar o alheio, apossando-se apenas de alimentação e munição; 6. Deixar livre dois caminhos por onde os vencidos escapem; 7. Respeitar as residências e as pessoas do vigário Quintino, do Padre Soter e Marica de Segundo e as pessoas que lá se refugiarem; 8. Não destruir casas nem matar pessoas fora do combate”. Mesmo assim, atrocidades, abusos, violências foram cometidos por ambos os lados.

Em 24 de janeiro de 1914 Crato é invadida por romeiros e jagunços comandados por Manoel Calixto, Manoel da Chiquinha e Zé Terto. Dia 27 de janeiro é a vez de Barbalha. Derrotadas as forças legalistas na região a estratégia foi avançar para Fortaleza para depor Franco Rabelo que mantinha o apoio da população e dos setores comerciais da capital. Jagunços invadem Quixeramobim e Baturité em 1 de março. Estado de Sítio no Ceará é decretado em 10 de março, presidente da República Hermes da Fonseca decreta intervenção federal no Estado, Franco Rabelo é deposto e assume como interventor o general Setembrino de Carvalho.

Acordos e acomodação dos interesses garantem o equilíbrio das forças políticas antagônicos no Ceará. Juazeiro do Norte emergiu como o principal centro político do Cariri, padre Cícero cortejado por políticos, empresários e autoridades de todas as esferas.

 

(*)  (BARROS, Luitgarde Oliveira Cavalcanti. O movimento religioso e Juazeiro do Norte, padre Cícero e o fenômeno do Caldeirão. História do Ceará. Fundação Demócrito Rocha).

Foto do Sérgio Falcão

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