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O Dom da Paz
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Historiador, pesquisador, escritor, editor do O POVO.Doc e ex-editor de Opinião do O POVO

O Dom da Paz

Dom Hélder Câmara foi um gigante dos direitos humanos no Brasil do século XX. Mundialmente conhecido e homenageado, foi uma das vozes que não se calaram e apoiaram os movimentos populares e a população desfavorecida quando nosso País vivia tempos sombrios de opressão
Tipo Análise
Dom Hélder Câmara (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Dom Hélder Câmara

Na mensagem do Natal de 2021, o papa Francisco incluiu no texto frase de Dom Hélder Câmara: “Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo; quando pergunto por que eles são pobres, chamam-me de comunista”. O resgate do autor e a essência da sua mensagem tocam e aprofundam a missão da Igreja, sua relevância universal na condução do bom debate e quão absurda e desimportante o relativismo das acusações que, em pleno século XXI, persistem atrasando a evolução para uma sociedade socialmente mais justa.

Patrono brasileiro dos direitos humanos, por meio da lei 13.581 de 2017, o cearense Hélder Câmara foi indicado quatro vezes ao Prêmio Nobel da Paz nos anos 1970, mas, como um dos maiores críticos da ditadura militar (1964-1985) teve o governo brasileiro orquestrando sua não premiação com medo da repercussão que sua vitória representasse o fortalecimento das forças democráticas no Brasil.

“Servo de Deus”, “Santo Rebelde”, “Dom da Paz”, “Mensageiro da Esperança”, “Arcebispo Vermelho” foram adjetivos colados em Dom Hélder ao longo do tempo.

Breve histórico

O século XX foi intensamente vivido por Dom Hélder. Aos 14 anos adentra o Seminário da Prainha (Seminário Diocesano de Fortaleza), vindo a precisar de autorização especial da Santa Sé para ser ordenado padre em 1931, aos 22 anos, a idade mínima era 24. Dentre os ensinamentos pregados no seminário, compreendia-se o mundo abominando o iluminismo, a revolução francesa, o tenentismo e, principalmente, o comunismo.

Nos anos seguintes, no Ceará, teve como missão os Círculos Operários Cristãos, a Juventude Operária Católica e a Legião Cearense do Trabalho (LCT). Posteriormente, a Legião uniu-se à Ação Integralista Brasileira (IAB), movimento político de extrema-direita que pregava rígida organização da sociedade com base nos princípios de disciplina e hierarquia. O integralismo brasileiro inspirava-se no nazismo e fascismo europeus.

Em 1932 foi fundada a Liga Eleitoral Católica (LEC), movimento da Igreja Católica que convocava os eleitores a votarem nos candidatos que, entre outras ideias, defendessem o ensino religioso nas escolas, assistência religiosa nas forças armadas e combate ao divórcio. No Ceará, o padre Hélder foi coordenador percorrendo o interior cearense com o slogan: “Um voto para a LEC é um voto para Nosso Senhor Jesus Cristo”. Apenas no Ceará a LEC se transformou em partido político, foi amplamente vitoriosa nas eleições de 1933 e 1934.

Por breve período assume o cargo de diretor do Departamento de Educação do Ceará, em 1935, no governo Meneses Pimentel, saindo por desentendimento com o governador. No ano seguinte, transfere-se para o Rio de Janeiro por convite de Francisco Campos, responsável pela Secretaria de Educação do Distrito Federal, assumindo o cargo de assistente-técnico de Educação. Afastou-se do integralismo em 1937. Na velhice, Dom Hélder reflete sua adesão ao integralismo por conta da inocência da juventude, ensinamentos do seminário e conservadorismo da Igreja.

Posteriormente concursado no Ministério da Educação pede demissão em 1943, dedicando-se à organização do secretariado nacional da Ação Católica Brasileira (ACB), em 1947. Nomeado bispo auxiliar do Rio de Janeiro em 1952, e, em 1955, promovido arcebispo-coadjutor do Rio de Janeiro.

Um dos idealizadores da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), fundada em 1952, e do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam), em 1955.

A Cruzada São Sebastião surge em 1956 com a proposta de dar moradia decente aos favelados do Rio de Janeiro, a iniciativa de Dom Hélder faz surgir os primeiros conjuntos habitacionais. Em 1959, funda o Banco da Providência voltado ao atendimento dos pobres, coletando e distribuindo alimentos, remédios, roupas e dando orientação para trabalho, moradia e educação.

No Concílio Vaticano II foi um dos signatários do Pacto das Catacumbas, 1965, apontado como uma das ações influenciadoras da Teologia da Libertação.

Nomeado arcebispo de Olinda e Recife em março de 1964, semanas antes do golpe militar, lá permanecendo até 1985, quando torna-se arcebispo emérito, vivendo modestamente na Igreja das Fronteiras na capital pernambucana, onde residia desde 1968.

Anos de Chumbo, a violência institucionalizada da ditadura

O trabalho pastoral de Dom Hélder como arcebispo em Pernambuco durou, coincidentemente, o mesmo período da ditadura militar no Brasil. Na época, a Igreja Católica vivenciava internamente os conflitos das alas conservadoras e progressistas no caminho missionário.

Ligado aos movimentos sociais, comunidades eclesiais de base, pregava a fé cristã engajada com os anseios e necessidades dos desfavorecidos. Desde o início foi acusado pelos militares por acobertar padres suspeitos de subversão, consideravam-no o “Arcebispo Vermelho” que favorecia a infiltração comunista na Igreja Católica. A campanha de difamação da ditadura foi respondida com o apoio dos seus pares religiosos por todo País, mesmo àqueles que pensavam diferente. Foi impedido de fazer palestras e censurado na imprensa.

Em 1968, sua casa em Recife foi metralhada, não houve empenho do governo em descobrir quem causou e mandou o crime. No ano seguinte, o padre Antônio Henrique Pereira Neto, coordenador da Pastoral da Juventude no Recife e assessor do arcebispo, foi sequestrado, torturado e assassinado. Seu corpo foi encontrado nas ruas do bairro da Várzea, executores e mandantes foram, novamente, acobertados pela ditadura.

Silenciado no Brasil, viajava ao exterior para denunciar as torturas e assassinatos apoiados pelo governo brasileiro.

A vida como exemplo de esperança

Nascido em 7 de fevereiro de 1909, em Fortaleza, falece em 27 de agosto de 1999, em Recife. Uma vida dedicada a servir o outro.

A coluna trouxe uma pequena amostra da vida de Dom Hélder Câmara, ínfima referência na pretensão de despertar a curiosidade do leitxr buscar estudos, livros, filmes, documentários, matérias jornalísticas que tragam o testemunho da significância que foi sua vivência e trabalho pastoral. Recomendo a leitura do site da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - nucleodememoria.vrac.puc-rio.br/primeiro_site/dhc/vida.htm, traz uma cronologia detalhada.

Para finalizar, duas frases que sintetizam sua visão cristã:

“O verdadeiro cristianismo rejeita a ideia de que uns nascem pobres e outros ricos, e que os pobres devem atribuir a sua pobreza à vontade de Deus.”

“É graça divina começar bem. Graça maior persistir na caminhada certa. Mas graça das graças é não desistir nunca.”

Foto do Sérgio Falcão

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