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A Grande Peste
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Historiador, pesquisador, escritor, editor do O POVO.Doc e ex-editor de Opinião do O POVO

A Grande Peste

As pandemias acontecem desde o início da humanidade, o passado traz aprendizados para os males do presente e, muito provável, do futuro. A pandemia da Peste Negra devastou o mundo "civilizado", principalmente, no século XIV, onde dezenas de milhões de pessoas morreram. Em tempos de Covid-19 cabe resgatarmos o impacto da peste como reflexão à atualidade
Tipo Análise
Quadro O triunfo da morte, de Pieter Bruegel (Foto: Domínio público)
Foto: Domínio público Quadro O triunfo da morte, de Pieter Bruegel

A Grande Peste (ou Peste Negra) foi uma das maiores pandemias mundiais, devastou entre 30% e 60% das populações da Europa, Ásia e Oriente Médio na Idade Média, principalmente, de 1346 a 1353. Historicamente é considerada a segunda pandemia mundial da doença. O quantitativo variava de acordo com a concentração populacional dos países, estima-se entre 50 e 75 milhões de mortos.

Dentre as hipóteses da disseminação acredita-se que a origem da Peste Negra ocorreu na Ásia, conduzida através da Rota da Seda chegou a cidade sitiada de Kaffa (Criméia) pelos cadáveres infectados catapultados pelo exército mongol. Os mercadores genoveses em fuga nos navios levaram a doença para Europa, disseminando a doença primeiro na Sicília, seguido de Gênova e Veneza, se propagando às regiões ao norte da Itália e demais países.

A transmissão da doença acontecia pelas pulgas dos ratos e secreções dos infectados. O cientista suíço Alexandre Yersin, no século XIX, identificou a bactéria Yersinia pestis como causadora da peste, manifestava-se sob as formas septicêmica, pneumônica e, a mais comum, bubônica.

A peste bubônica é a forma mais comum e famosa da peste, chegando a 90% dos casos. Caracteriza-se por febre alta, calafrios, dor de cabeça, dor pelo corpo, fraqueza, prostração e perda do apetite. De 2 a 3 dias surge o bubão, uma tumoração dolorosa provocada pelo inchaço de um linfonodo podendo localizar-se na virilha, axila e pescoço. O bubão pode ser purulento, é altamente contagioso havendo necessidade de drenagem cirúrgica.

A peste septicêmica, geralmente, ocorre como evolução da peste bubônica não tratada, provocando hemorragia interna e na pele, gangrena das extremidades, choque circulatório e falência de múltiplos órgãos. De 10% a 20% dos casos surge em forma primária, sem os sintomas prévios da bubônica. Essa forma é a mais agressiva com difícil diagnóstico, evoluindo ao óbito. O doente tem febre alta, prostração, hipotensão arterial, falta de ar, hemorragias cutâneas, diarreia e vômitos. Em 2 dias, o quadro progride para coma e, em poucas horas, o doente costuma morrer. A hemorragia cutânea provoca machas negras ou roxas por toda a pele, o termo peste negra vem dessa referência.

Os sintomas da peste pneumônica são falta de ar, dor no peito, respiração acelerada e tosse com expectoração, que pode ser purulenta ou sanguinolenta. Se não tratada com urgência progride ao óbito.

As condições de contágio eram favorecidas pelas precárias condições de higiene e habitação no período medieval, ofereciam condições propícias para infestação de ratos e pulgas. A Peste Negra causou convulsão social e econômica na sociedade feudal, acreditavam sua origem como um castigo de Deus pelos pecados. Fruto do fervor religioso e fanatismo cresceram perseguições aos grupos causadores da doença, decorrente do antissemitismo comunidades judaicas foram mortas em vários países.

Nos séculos seguintes a peste ocorreu em surtos com variáveis intensidades na Europa. Por exemplo, em Londres (Inglaterra), entre 1665 e 1666, um quarto da população, cerca de 100 mil pessoas morreram pela peste. Em 1720, Marselha (França) foi devastada pela doença, o episódio é simbólico na conjuntura da contaminação. O navio Grand Saint-Antoine vinha da Síria com mercadorias contaminadas, a quarentena no porto não seguiu as recomendações sob alegação de prejuízo comercial. Marinheiros não foram isolados completamente e as roupas não descartadas contaminaram lavadeiras. Na região, 200 mil dos cerca de 400 mil morreram.

A primeira pandemia da doença ficou conhecida como “Praga de Justiniano” (referência ao imperador Justiniano I, do Império Bizantino), entre 541 e 750 atingindo Europa, África e Ásia com um total de vítimas aproximado de 25 milhões de pessoas.

A terceira pandemia da peste surgiu na China no final do século XIX e vitimou cerca de 12 milhões de pessoas em todo mundo.

Peste Negra no Brasil

No final do século XIX, em decorrência da terceira pandemia da peste, registra-se a primeira incidência da doença no Brasil. A cidade de Santos (SP) possuía o segundo maior porto exportador do País, Rio de Janeiro, capital federal, detinha o primeiro lugar. Os cientistas Emílio Ribas pelo lado paulista e Oswaldo Cruz pelo lado carioca, graças ao conhecimento científico e capital político lideraram a cruzada contra a doença após tomarem conhecimento do surto no Paraguai e Portugal em 1899.

Dentre as medidas adotadas, quarentena de 20 dias dos navios vindos dos países com a doença, caça aos ratos em casas, cocheiras e armazéns do porto, identificação e isolamento dos doentes, produção do soro. As medidas foram contestadas por comerciantes e médicos, temerosos dos prejuízos financeiros com o fechamento dos portos. O rigor sanitário foi referendado por destacados e influentes cientistas que asseguraram o apoio político necessário às medidas. Irônica ou tragicamente, apesar dos anos de diferença com o maior conhecimento e evolução da ciência os mesmos argumentos foram usados no Brasil na pandemia da Covid-19.

Outro protesto aproxima a atualidade do passado, o historiador Sidney Chalhoub no livro “Cidade febril” identifica relatos de medo que a vacina pudesse deixar as pessoas com feições de boi, por ser feita com material colhido de vacas, ou transmitir sífilis. Atitude similar estimulada pelo presidente Jair Bolsonaro ao desestimular a vacinação contra a Covid-19, defendendo a mentirosa tese que os vacinados contraem aids e viram jacaré. Contado como piada seria mais um caso patético e de ignorância, mas trata-se de um presidente da República que ao invés de liderar a Nação na preservação da vida vem continuamente sabotando as melhores práticas sanitárias desde o início da pandemia do coronavírus.

Registram-se surto da peste nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e São Luís. Cerca de 300 pessoas morreram na capital federal em 1900, 199 em 1901, 215 em 1902, 360 em 1903 e 274 em 1904.

O Instituto de Manguinhos, hoje Fiocruz, foi uma ideia de Oswaldo Cruz na época para produzir o soro contra a peste. Também pensando na produção do soro, continuidade do surto e dificuldade de importação visto que a doença tinha alcance mundial, Emílio Ribas junto ao governo paulista implementou a criação do Instituto Soroterápico do Estado de São Paulo, renomeado em 1918 para Instituto Soroterápico do Butantan e novamente em 1925, ganhou nome atual de Instituto Butantan.

Ao longo dos séculos XX e XXI a peste voltou, em menor escala, a infectar regiões isoladas do mundo, principalmente em regiões com condições sanitárias precárias. No Ceará, a peste bubônica foi registrada pela última vez em 2005.

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