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A política pelo humor no Barão de Itararé
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Historiador, pesquisador, escritor, editor do O POVO.Doc e ex-editor de Opinião do O POVO

A política pelo humor no Barão de Itararé

Aparício Fernando de Brinkerhoff Torelly é um personagem singular da história brasileira, o grande público o conhece como Barão de Itararé, com enorme sucesso na imprensa dos anos 1920, 1930, 1940 e que reverbera aos tempos atuais com a sagacidade das suas frases e textos. Seu destaque na cena brasileira vem dos textos irônicos, sarcásticos e afiado humor sobre o ambiente político da nação, atraindo o interesse das classes populares e a ira dos poderosos
Tipo Análise
Barão de Itararé, pseudônimo de Aparício Fernando de Brinkerhoff Torelly (Foto: Acervo público)
Foto: Acervo público Barão de Itararé, pseudônimo de Aparício Fernando de Brinkerhoff Torelly

No Brasil contemporâneo predomina propositadamente, com saudáveis exceções, o debate político rasteiro, grosseiro, sem a qualidade de elevar a discussão em bases democráticas, fundamentadas e responsáveis. Faz parte da História ciclos nebulosos que contribuem para reformulações na evolução ou involução das sociedades. A composição do bom debate passa pelas referências do passado, para o bem e para o mal, analisadas e dialogadas sob vários prismas, inclusive, o contraditório.

O Barão de Itararé é apontado como o pioneiro do humor político brasileiro, alguns dos seus sucessores são Stanislaw Ponte Preta, criação de Sérgio Porto (1923-1968), o Analista de Bagé, de Luís Fernando Veríssimo, revista Bundas, de Ziraldo, revista Pif-Paf, de Millôr Fernandes (1923-2012), jornal O Pasquim e, na atualidade, José Simão e Sensacionalista.

Trajetória

Viveu de 29 de janeiro de 1895 (Rio Grande, Rio Grande do Sul) a 27 de novembro de 1971 (Rio de Janeiro). Na infância já demonstrava propensão para escrita, criou em 1908 o jornalzinho Capim Seco satirizando a disciplina dos padres do colégio.

Quando estudante de Medicina há duas passagens primorosas que exemplificam seu humor afiado. Ao chegar atrasado para aula o professor pega um fêmur e lhe pergunta: "O senhor conhece este osso?". Estendendo a mão responde: "Não, muito prazer!". Outro professor na prova oral sabendo que ele não dominava o conteúdo fala ao funcionário da faculdade: "Me traga um pouco de alfafa, por favor". Em seguida, Aparício responde: "E, para mim, um cafezinho".

Abandonou o curso de Medicina no quarto ano ao sofrer AVC e ficar com paralisia parcial da metade lateral do corpo, passando a trabalhar em várias publicações gaúchas até mudar-se para o Rio de Janeiro em 1925. Na entrevista com o fundador do O Globo Irineu Marinho sobre o que poderia fazer, responde: "Qualquer trabalho serve. De varredor a diretor do jornal, até porque não vejo muita diferença". Em 10 de agosto de 1925 estreava a coluna Despreso, após a morte do fundador do O Globo passa a trabalhar no jornal A Manhã.

Quatro meses após iniciar no novo jornal cria seu próprio jornal: A Manha. Em 13 de maio de 1926 circula a primeira publicação com a pegada do humor em paródias mordazes da política brasileira. Em 1935, com a perseguição após a Intentona Comunista é preso e acusado de fazer parte do Partido Comunista Brasileiro (PCB), clandestino na época. Dentre os relatos presentes em Memórias do Cárcere, Graciliano Ramos descreve o impacto da prisão e a rotina do Barão de Itararé.

Com a eclosão da Revolução de 30, forças da Aliança Liberal no caminho da capital federal para depor Washington Luís estacionaram em Itararé, divisa entre São Paulo e Paraná, onde se acreditava sangrenta batalha. Antes de qualquer conflito houveram acordos e uma junta governativa assumiu o poder no Rio de Janeiro. Vem desse episódio histórico que atraiu a atenção nacional a explicação do pseudônimo. Vejamos:

“Fizeram acordos. O Bergamini pulou em cima da prefeitura do Rio, outro companheiro que nem revolucionário era ficou com os Correios e Telégrafos, outros patriotas menores foram exercer o seu patriotismo a tantos por mês em cargos de mando e desmando… e eu fiquei chupando o dedo. Foi então que resolvi conceder a mim mesmo uma carta de nobreza. Se eu fosse esperar que alguém me reconhecesse o mérito, não arranjava nada. Então passei a Barão de Itararé, em homenagem à batalha que não houve.”

No princípio se promoveu a Barão, semanas depois divulgava: "como prova de modéstia, passei a Barão."

O efêmero Jornal do Povo, fundado em 1934, lhe rendeu sequestro, espancamento, cabelo cortado e deixado no matagal quase sem roupa por oficiais da Marinha em virtude de publicar texto sobre João Cândido, o “Almirante Negro” na Revolta da Chibata (tema da coluna de 7 de setembro de 2021). Ao regressar à redação do jornal coloca placa na porta: “Entre sem bater”.

Em 1946, elege-se pelo PCB vereador do Rio de Janeiro com o lema: “Mais leite! Mais água! Mas menos água no leite!”. A cidade sofria com a falta de água e alimentação para as camadas populares. Na época as rádios transmitiam os discursos dos vereadores, segundo o jornalista Mouzar Benedito, autor de Barão de Itararé: Herói de três séculos: "Quando discursava, lavadeiras e operários paravam de trabalhar para ouvir o Barão. Em seu discurso de despedida, disse: 'Deixo a vida pública para entrar na privada'". Seu mandato foi cassado quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassou o registro partidário do PCB em maio de 1947.

Nos anos 1950 vai deixando o humor político e dedicando ao estudo da ciência e esoterismo.

Frases

Fiz seleção de algumas frases que lhe são atribuídas, segundo o escritor Ruy Castro, algumas das que julgavam autor eram cópias de Bernard Shaw, Mark Twain ou Oscar Wilde. Autoral ou parcialmente plágio, não farei exame de DNA, fica a proposta da reflexão pela leveza dos insights que escancaram absurdos brasileiros que atravessaram o tempo. Até quando, nobre leitor(a)?

- O que se leva desta vida é a vida que a gente leva.
- O voto deve ser rigorosamente secreto. Só assim, afinal, o eleitor não terá vergonha de votar no seu candidato.
- Se há um idiota no poder, é porque os que o elegeram estão bem representados.
- A criança diz o que faz, o velho diz o que fez e o idiota o que vai fazer.
- O banco é uma instituição que empresta dinheiro à gente se a gente apresentar provas suficientes de que não precisa de dinheiro.
- O Brasil é feito por nós. Está na hora de desatar esses nós.
- A sombra do branco é igual a do preto.
- Tudo seria fácil se não fossem as dificuldades.
- Tudo é relativo: o tempo que dura um minuto depende de que lado da porta do banheiro você está.
- Viva cada dia como se fosse o último. Um dia você acerta…
- Nunca desista do seu sonho. Se acabou numa padaria, procure em outra!
- Negociata é um bom negócio para o qual não fomos convidados.
- Adolescência é a idade em que o garoto se recusa a acreditar que um dia ficará chato como o pai.
- Senso de humor é o sentimento que faz você rir daquilo que o deixaria louco de raiva se acontecesse a você.
- O homem que se vende recebe sempre mais do que vale.

Foto do Sérgio Falcão

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