
Historiador, pesquisador, escritor, editor do O POVO.Doc e ex-editor de Opinião do O POVO
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Para tentar entender este abismo de insanidade e maldade extrema é preciso trilhar os caminhos do passado na direção dos acontecimentos que levam à tragédia.
A formação de Ruanda como país remonta a “colonização” pela Alemanha no século XIX, após o término da 1ª Guerra Mundial com o Tratado de Versalhes passa ao domínio da Bélgica. Mas, o modus operandi permanece o mesmo, era assim, predominava na população duas etnias, tutsis e hutus. Os colonizadores europeus baseando-se nas características físicas, teoricamente mais próximas ao biotipo branco, privilegiaram os minoritários tutsis para cargos na administração pública e maiores direitos em relação aos hutus.
A forma de manter o controle da população era estimular a divisão étnica criando cisão e ressentimento estimulados ao longo dos anos.
Em 1959, acontece a Revolução Ruandesa, liderada pelos hutus que representavam cerca de 85% da população, destituindo a monarquia tutsi sustentada pelos belgas. Em 1962, Ruanda torna-se uma república independente, na esteira do processo de descolonização milhares de tutsis refugiam-se em Uganda e Zaire (atual República Democrática do Congo).
O favorecimento aos hutus destaca-se nas décadas seguintes, intensificado após ascensão ao poder por golpe de Estado, em 1973, do líder hutu Juvénal Habyarimana. Organizado em forma de ditadura militar, apoiado por França e Bélgica, Habyarimana apoia a discriminação contra os tutsis e facilita esquemas de corrupção.
Em 1990, a Frente Patriótica Ruandesa (RPF) foi montada por exilados tutsis com objetivo de invadir Ruanda e recuperar os espaços de poder. Paralelamente, o governo Habyarimana estimulava a formação de milícias em todo país para propagar o medo. Em 1993 foi estabelecido acordo de paz tamponando os conflitos.
O avião que transportava os presidentes de Ruanda, Juvenal Habyarimana, e do Burundi, Cyprien Ntaryamira — ambos hutus, em 6 de abril de 1994, foi abatido por míssil. A partir do dia 7 de abril inicia o massacre dos tutsis, hutus moderados e dos minoritários twa.
Pesquisadores afirmam que o planejamento do genocídio começou bem antes, a compra antecipada e organização da entrega dos facões e armas de fogo são evidências consistentes.
O partido do governo, MRND, tinha a ala jovem chamada Interahamwe (aqueles que lutam), como milícia armada condutora do extremismo hutu. O discurso de ódio fazia propaganda pelas estações de rádio, jornais e tvs, estimulando “eliminar as baratas” (matar os tutsis). Os nomes dos opositores e pessoas a serem mortas eram lidas no rádio. Nas ruas, bloqueios foram montados, pela carteira de identidade era possível identificar a etnia, os selecionados eram sumariamente mortos.
As dimensões do terror são inimagináveis, pais, esposos, vizinhos hutus foram obrigados a matar filhos, cônjuges e conhecidos por serem tutsis.
Forças militares da ONU (Organização das Nações Unidas) e Bélgica encontravam-se em Ruanda, não interviram no massacre. A França, aliada do governo, também não nada fez. Os Estados Unidos, “protetor do mundo livre”, havia sofrido baixas em 1993 quando intervieram na Somália e não quiseram assumir novas perdas humanas e econômicas. Posteriormente, países e instituições reconheceram as omissões durante o genocídio. Durante o massacre, os ruandeses estavam entregues à própria sorte. Na verdade, como acontece na maioria dos massacres humanitários até o ponto que interfere nos interesses das grandes potências.
A RPF, apoiada pelo Exército de Uganda, invade Ruanda e toma o poder, findando o genocídio em 15 de julho. Temendo represália, cerca de dois milhões de hutus se refugiaram nos países vizinhos.
Foram instalados tribunais locais por todo país para julgamento dos envolvidos no massacre. O Conselho de Segurança da ONU criou o Tribunal Penal Internacional para Ruanda (TPIR) para julgar os principais responsáveis pelo genocídio.
Desde o fim da catástrofe tornou-se ilegal falar ou identificar as pessoas pela etnia.
As Nações Unidas definiram o 7 de abril como o Dia Internacional de Reflexão sobre o Genocídio de 1994 contra os Tutsi em Ruanda.
As cicatrizes nos corpos e nas almas são recentes em Ruanda, a cultura do ódio foi estimulada por muitos anos e interesses. A construção da paz e fraternidade concreta passa pelo não esquecimento, consciência e firme determinação de não repetir os erros do passado.
Pessoalmente, cada vez que vejo e leio o ódio crescente e estimulado no Brasil recente, aliado ao incentivo do atual governo federal de armamento da população e o crescimento das milícias penso na tragédia de Ruanda. Numa democracia ou sociedade civilizada o diálogo, divergência e aceitação do contrário, desde que respeitando princípios democráticos e humanitários, faz parte da sadia e necessária convivência.
Genocídios pelo mundo
Ao longo da existência humana na Terra, infelizmente, há registros de diversos genocídios ao longo dos séculos associados às guerras, religião, política, ideologia, economia, dentre outros motivos.
O Museu Memória e Tolerância - myt.org.mx -, localizado na Cidade do México, traz poderoso impacto aos visitantes, são reflexões em relatos, imagens, vídeos, documentos, instalações, esculturas que refletem os acontecimentos do passado e do presente em chamamento ao não repetirmos no futuro os mesmos erros.
O site oferece importantes textos sobre alguns dos maiores genocídios do século XX, são eles: Holocausto (1939-1945), Genocídio Armênio (1915), Genocídio no Camboja (1975-1979), Genocídio na Guatemala (1981-1983), Genocídio na Ex-Iugoslávia (1992-1995), Genocídio em Darfur (2003-presente).
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