Logo O POVO+
Democracia Corinthiana, 40 anos
Foto de Sérgio Falcão
clique para exibir bio do colunista

Historiador, pesquisador, escritor, editor do O POVO.Doc e ex-editor de Opinião do O POVO

Democracia Corinthiana, 40 anos

A Democracia Corinthiana foi um raro momento de consciência política e coletiva no esporte brasileiro que aconteceu no Sport Club Corinthians Paulista de 1982 a 1984. O resgate histórico dos 40 anos do movimento corinthiano traz práxis e ideais democráticos referenciais para toda sociedade do que almejamos para além do esporte, no presente e no futuro do Brasil
Tipo Análise
Sócrates, Casagrande e Wladimir eram alguns dos principais nomes da Democracia Corinthiana (Foto: Reprodução)
Foto: Reprodução Sócrates, Casagrande e Wladimir eram alguns dos principais nomes da Democracia Corinthiana

A História que vamos mergulhar acontece no final da ditadura militar, período antidemocrático que vigorou no Brasil de 1964 a 1985, quando as Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) com apoio de grupos e políticos da direita suprimiram os direitos e as eleições diretas, permanecendo no poder pelos argumentos da baioneta, corrupção, prisão e tortura.

.

Waldemar Pires assume a presidência do Corinthians no final de 1981, tendo o ex-presidente Vicente Matheus como vice que almejava controlá-lo e tencionando manter o poder nas próprias mãos. Orlando Monteiro Alves foi ocupar a vice-presidência após o rompimento entre Waldemar Pires e Vicente Matheus.

No começo dos anos 1980, o futebol brasileiro baseava-se em estrutura amadora, conservadora, paternalista e, cada vez mais, distante do profissionalismo praticado na Europa. Quanto aos atletas, predominava a falta de consciência coletiva e, aqueles que se destacavam, em grande parte, não possuíam formação e/ou orientação de carreira.

O time de futebol corinthiano vinha de resultados desastrosos nos campeonatos estadual e brasileiro nos anos anteriores. A arriscada reviravolta veio com a indicação do sociólogo Adilson Monteiro Alves para diretor de futebol do clube. Além de filho do vice-presidente do clube, não tinha experiência alguma no futebol. Mas, mesmo desacreditado, possuía irrestrito apoio da direção.

Os jogadores, gradativamente, abraçaram a ideia. A proposta baseava-se em repensar os modelos de gestão, comportamento, participação, resultados e estrutura do clube e seus funcionários. De uma forma global, sistêmica, engajada e identificada com a realidade brasileira e as transformações que o País vivia.

Sócrates, Wladimir, Casagrande e Zenon tornaram-se os principais líderes, a essência da proposta (revolucionária, anárquica para a maioria da imprensa e não praticada mesmo nos dias atuais em qualquer esfera de negócio ou atividade econômica) atrelava-se que as decisões passavam pela votação do grupo onde cada um tinha direito a voto com o mesmo peso dos demais. Ou seja, do faxineiro ao presidente cada um tinha direito a um voto.

Dentre as principais mudanças posso citar: abolição da concentração para casados e pais, exigida somente aos solteiros; liberação de álcool no retorno das partidas; “bicho” dividido com todos os funcionários, não somente aos jogadores; redefinição do tamanho do “bicho” de acordo com a quantidade do público nas partidas; escolha de técnicos e jogadores; modelos de treinos.

Os resultados esportivos apareceram, o Corinthians foi campeão paulista em 1982 e 1983, e, semifinalista do campeonato brasileiro em 1982.

O publicitário Washington Olivetto foi convidado por Adilson para assumir a vice-presidência de marketing do clube e impulsionar externamente o movimento corinthiano. Com Juca Kfouri criou o nome da experiência no Corinthians. Olivetto lançou um conselho de marketing composto de notáveis torcedores que nas respectivas áreas de atuação destacavam a Democracia Corinthiana. Dentre eles, encontravam-se Walter Clark, Boni, Rita Lee, Glória Kalil e Thomaz Souto Corrêa.

Rita Lee, por exemplo, nos shows, costumava usar camisa do clube e, constantemente, recebia Sócrates e Casagrande com destaque no palco. Na novela global Vereda Tropical foi inserido um personagem que era jogador de futebol e acabava contratado pelo Corinthians.

Diversas iniciativas foram pensadas para alavancar a marca e o movimento dentro e fora do campo, paralelamente, nesta intenção, permeavam ações de consciência política em favor da retomada da democracia no Brasil. Jogadores entravam em campo com faixas e nas camisas de jogo vinha frases de apoio à redemocratização, como: Diretas Já; Eu quero votar para presidente; Vote dia 15; Ganhar ou perder, mas sempre com democracia.

O enfraquecimento da Democracia Corinthiana foi gradual, começa com a venda de Sócrates para Fiorentina (Itália) em 1984, outros fatores são os resultados ruins nos campeonatos, transferência de Casagrande e Wladimir para outros times brasileiros. Mas, o que vai decretar o fim do movimento é a derrota de Adilson Monteiro Alves na disputa pela presidência do clube em 1 de abril de 1985.

O Brasil de 2022 traz enormes desafios à democracia brasileira, resgato, novamente, uma frase de extrema relevância e profundidade adotada no movimento dos anos 1980 e que deve guiar sempre as forças democráticas: “Ganhar ou perder, mas sempre com democracia”.

Foto do Sérgio Falcão

Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?