
Historiador, pesquisador, escritor, editor do O POVO.Doc e ex-editor de Opinião do O POVO
Historiador, pesquisador, escritor, editor do O POVO.Doc e ex-editor de Opinião do O POVO
O título não é original, confesso, mas vai além da homenagem ao belíssimo livro do Nobel colombiano Gabriel García Márquez. Outra opção do título esquecido nos rascunhos foi - Brasil: O país das tragédias ambientais. Há conexões e interpretações variadas entre eles. Para finalizar os descaminhos e provocações iniciais, a coluna não se baseia em nenhuma efeméride, do tema ou do personagem, em verdade, trata-se da premência pra lá de necessária da temática e reaprendermos as lições deste brasileiro que despertou o real valor do meio ambiente.
Filho dos migrantes cearenses Francisco Alves Mendes e Maria Rita Mendes, em 15 de dezembro de 1944 nascia no seringal Porto Rico (Acre), Francisco Alves Mendes Filho. A lida aprendeu desde cedo acompanhando o pai pela floresta e, aos doze anos, quando este adoece passa a sustentar a família.
Ler e escrever veio tarde, nos seringais não havia escolas, foi pelas mãos e amizade com o refugiado político Euclides Fernandes Távora, aos 19 anos.
Chico Mendes ficou mundialmente conhecido como ativista ambiental, este caminho veio na trajetória de vida iniciada como seringueiro, sindicalista e político. Aliada à compreensão amparada na consciência da interligação dos múltiplos seres que compõem o bioma, onde, são maiores os benefícios da manutenção da floresta do que o valor recebido com sua derrubada.
A vida sindical principia em 1975, como secretário geral do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia. Dois anos depois ajuda a fundar o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, nas eleições municipais seguintes elege-se vereador pelo MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Vêm dessa época as primeiras ameaças dos fazendeiros, as torturas sofridas não foram investigadas e não teve apoio do partido.
A ditadura militar brasileira (1964-1985) via a região amazônica como questão de segurança nacional, sua política de desenvolvimento consistia em retirar os subsídios dos seringueiros e transferir para os fazendeiros e pecuaristas, estimulando a especulação fundiária e devastação ambiental.
Uma das táticas dos movimentos sindicais era ocupar as fazendas que iam ser devastadas para virar pasto ou plantação e aplicar o “empate”, quando crianças, adultos e idosos abraçavam às árvores ou deitavam no terreno até haver negociação.
Em 1980, Chico Mendes participa de comícios com Luiz Inácio Lula da Silva e ajuda a fundar o PT (Partido dos Trabalhadores) no Acre. É enquadrado na Lei de Segurança Nacional, sendo absolvido pelo Tribunal Militar em 1984. Em 1982 e 1986, tenta, sem sucesso, eleger-se deputado estadual. De 1981 até sua morte é presidente do sindicato de Xapuri.
Em outubro de 1985, realiza-se em Brasília, o 1º Encontro Nacional dos Seringueiros. Chico Mendes destaca-se nacionalmente e, junto às outras lideranças, criam o Conselho Nacional dos Seringueiros, formado por 100 líderes dos estados produtores de borracha natural da Amazônia. O encontro em Brasília oportunizou, também, a criação da Aliança dos Povos da Floresta, proposta que visava à criação de reservas extrativistas que buscasse a aliança e junção dos interesses indígenas, seringueiros, castanheiros, pequenos pescadores, quebradores de coco e população ribeirinha. A criação das reservas extrativistas baseava-se na preservação da floresta amazônica, além de promover a reforma agrária sustentável.
Em 1987, recebe em Xapuri a visita de representantes da Organização das Nações Unidas (ONU), denuncia os projetos que devastam a floresta e apoiam a exploração dos seringueiros, como os bancos estrangeiros financiadores. Meses depois repete as denúncias, presencialmente, no Senado dos Estados Unidos, e participa da reunião do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em Miami (EUA). Chico Mendes explicou os impactos ambientais e sociais que vinha causando a pavimentação da BR-364 – entre Porto Velho e Rio Branco – apoiada pelo BID. O financiamento foi suspenso e Chico Mendes foi acusado de prejudicar o progresso da região, a perseguição cresceu com a implantação da UDR (União Democrática Ruralista) no Acre.
A desapropriação do seringal Cachoeira, do grileiro Darly Alves da Silva, fez aumentar as ameaças e, consequentemente, os pedidos de proteção do ativista, negligenciada pelos órgãos de segurança.
Em 1987, o ambientalista foi premiado com o Global 500, concedido pela ONU às personalidades que se destacaram na defesa do meio ambiente. Em 1988, recebe a medalha de meio ambiente da Better World Society, nos Estados Unidos.
Chico Mendes previa sua morte, no aniversário de 44 anos se reuniu com a esposa Ilzamar Gadelha Mendes e os dois filhos mais novos Sandino e Elenira (também havia Ângela, filha do primeiro casamento), sinalizando que estava próxima sua partida. A futura senadora e ministra do Meio Ambiente Marina Silva recorda as mesmas falas nos dias finais do amigo e mentor.
Apesar da segurança de dois policiais militares que o acompanhavam, Chico Mendes foi morto no terreno da sua casa em 22 de dezembro de 1988 por Darci Alves Ferreira, sob as ordens do pai Darly Alves da Silva.
A investigação e condenação pela morte dos líderes populares, ligados a sindicatos, política e congêneres não era praticado com frequência na Amazônia. Graças à mobilização de mais de 30 entidades, nacionais e internacionais, formou-se o Comitê Chico Mendes exigindo a punição dos envolvidos. Pistoleiro e mandante foram identificados e condenados a 19 de anos de prisão em 1990. Três anos depois fugiram do presídio, foram recapturados em diferentes meses de 1996. Em 1999, por problemas de saúde, a prisão de Darly Alves foi convertida em domiciliar, no mesmo ano, o filho Darci Alves Ferreira progrediu para regime semiaberto e, após o cumprimento da sentença, mudou-se para Brasília e virou pastor evangélico.
Chico Mendes teve seu trabalho reconhecido após a morte, merecidamente homenageado nacional e internacionalmente das mais variadas formas. Aqui destaco cinco: a primeira reserva extrativista foi criada em março de 1990 e leva seu nome; em 2013 foi descoberta uma nova espécie de pássaros, nomeada de Zimmerius chicomendesi; como testemunha profética, Chico Mendes faz parte do calendário de santos da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil; em 2004 foi reconhecido Herói da Pátria com seu nome incluído no Livro dos Heróis da Pátria; em 2013 foi nomeado patrono nacional do meio ambiente.
Agradecimento aos pesquisadores Miguel Pontes e Roberto Araújo, do Acervo O POVO, todas as semanas fornecem valioso material jornalístico para escrita da coluna.
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