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Tropicália: vanguarda da cultura brasileira
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Historiador, pesquisador, escritor, editor do O POVO.Doc e ex-editor de Opinião do O POVO

Tropicália: vanguarda da cultura brasileira

Tropicália, tropicalismo ou movimento tropicalista são variações da mesma experimentação cultural presente nos efervescentes anos 1960 com atuação na música, artes plásticas, poesia, cinema e teatro que sacudiu o Brasil em plena ditadura militar com reflexos para além do seu tempo
Tipo Análise
Disco
Foto: Wikimedia Commons Disco "Tropicália ou Panis et Circencis", lançado em julho de 1968, é considerado o manifesto do movimento tropicalista. Traz na capa Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil, Nara Leão, Os Mutantes e Tom Zé - acompanhados dos poetas Capinam e Torquato Neto, e do maestro Rogério Duprat

Os anos 1960 foram anos de contestação no mundo, com impactos que reverberaram para além do localismo e do tempo, influenciando e sendo influenciados por paixões e expressões (políticas, econômicas, sociais, religiosas, culturais, étnicas). Para exemplificar, vamos trazer um panorama dos agitados acontecimentos deste período: multiplicação das ditaduras na América Latina; invasão da baía dos porcos; crise dos mísseis de Cuba; ditadura militar brasileira; Primavera de Praga; invasão da Tchecoslováquia; Beatles; Bob Dylan; guerra do Vietnã; assassinato de John Kennedy; maio de 1968 em Paris; transplante do coração; assassinato de Martin Luther King Jr.; ser humano na Lua; Festival de Woodstock; luta pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos; surgimento da pílula anticoncepcional; revolução sexual... e muitos outros acontecimentos que tornaram aquela década uma das mais significativas do século.

A Tropicália, oficialmente ou para a maioria dos pesquisadores, teve vida efêmera, vigorou nos anos de 1967 e 1968. Pessoalmente, penso que sua proposta e impacto ultrapassaram os anos e as vozes que a criaram e conduziram. Bem, o movimento tropicalista nasceu pelas mãos de Caetano Veloso na música “Alegria, alegria” e de Gilberto Gil com a música “Domingo no parque”, ambas, participantes do III Festival da Música Popular Brasileira, promoção da TV Record, em 1967.

Em essência, o tropicalismo fazia uso da experimentação musical de vários gêneros como, baião, brega, rock, samba, bolero, bossa nova e muito mais. Navegava pela vanguarda cultural brasileira, e, para isso, precisavam de grandes doses de ousadia e coragem no turbulento período, no Brasil vivia-se uma ditadura militar com as várias limitações e imposições de um sistema de exceção e cerceamento da liberdade. Musicalmente, a bossa nova estava em baixa no território nacional, dominado pela turma do iê-iê-iê de Roberto Carlos e companhia. Funcionou, também, como elemento da contracultura, apesar de não aderir por completo às canções protesto que a intelectualidade e movimento estudantil chancelavam, e, por conta disso, o tropicalismo sofria duras críticas pelo não adesismo inconteste. A Tropicália, conceitualmente, bebia na fonte da antropofagia do movimento modernista, a práxis da ressignificação do que vinha do estrangeiro sem o lastro de considerá-lo obra do imperialismo, mas, ajustá-lo, transformá-lo com aspectos e elementos na cultura local. As canções sofriam influência do concretismo, criavam códigos de linguagem inserindo conceitos e informações.

A definição do nome Tropicália para o movimento surgiu de forma inusitada. Caetano não tinha ideia como deviam chamar o que estavam criando, o jornalista fotógrafo e futuro cineasta Luís Carlos Barreto sugeriu que adotassem o mesmo nome da obra ambiência que o artista plástico Hélio Oiticica criou para exposição no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1967. Inicialmente avesso, por desconhecer a referência sugerida, após se familiarizar, a proposta foi acolhida.

Em julho de 1968 foi lançado o disco “Tropicália ou Panis et Circencis”, funcionou como o manifesto do movimento tropicalista. Nele, estavam presentes Caetano Veloso, Gilberto Gil, Nara Leão, Gal Costa, Os Mutantes (Arnaldo Batista, Sérgio Dias, Rita Lee), Tom Zé, José Carlos Capinam, Torquato Neto e Rogério Duprat. Sua influência nas demais artes foi representada no cinema por Glauber Rocha, Rogério Sgarzela, Andrea Tonacci, entre outros. No teatro destaca-se José Celso Martinez, e, na poesia os irmãos Augusto de Campos e Haroldo de Campos.

Cabelos grandes, roupas coloridas e o caldeirão de influências musicais não foram bem recebidas pela dualidade da sociedade brasileira do final dos anos 1960, reduzida entre os apoiadores e opositores da ditadura. Em 6 de junho de 1968, no debate sobre tropicalismo na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), da USP (Universidade de São Paulo), o que deveria ser uma tranquila troca de ideias transformou-se em xingamentos da plateia e lançamento de bananas aos debatedores, entre eles, Gil, Caetano, Guilherme Araújo
Augusto de Campos e Décio Pignatari.

Em 13 de dezembro de 1968, acontece a radicalização da ditadura militar com a publicação do Ato Institucional Nº 5 e a brutalidade antidemocrática que mergulhou desavergonhadamente o Brasil na falta de direitos humanos e políticos. Toda música que enxergassem a menor contestação ao regime ditatorial já vinha sofrendo com a censura desde a imposição do golpe militar, agora, o AI-5 perseguiria veladamente os artistas.

A prisão de Gil e Caetano em 27 de dezembro de 1969 acontece com a alegação de desrespeito à bandeira nacional no show da Boate Sucata, no Rio de Janeiro. Na verdade, no palco havia um cenário elaborado por Hélio Oiticica que criou uma bandeira brasileira alternativa com a inscrição “Seja Marginal, Seja Heroi” e a figura do traficante Cara de Cavalo, traficante carioca assassinado barbaramente pelas forças de segurança da ditadura militar.

Gil e Caetano foram soltos na Quarta-feira de Cinzas e seguiram para Salvador, ficando por cinco meses em prisão domiciliar, comparecendo diariamente na sede da Polícia Federal e sem dar entrevistas ou participar de shows. Nesta situação a única saída para a liberdade foi se auto exilarem na Inglaterra, como não possuíam dinheiro para manterem-se foi negociado com a ditadura a permissão de organizarem o show Barra 69, acontecido em 20 de julho de 1969, para arrecadação de fundos.

O exílio de Caetano e Gil abalou a continuidade da Tropicália, Gal Costa tornou-se figura central, mas, gradativamente, o movimento foi desaparecendo.

Foto do Sérgio Falcão

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