
Historiador, pesquisador, escritor, editor do O POVO.Doc e ex-editor de Opinião do O POVO
Historiador, pesquisador, escritor, editor do O POVO.Doc e ex-editor de Opinião do O POVO
A história da capoeira ou capoeiragem passa pela história da escravidão no Brasil. Não há consenso se a capoeira foi criada exclusivamente em território brasileiro ou fez parte dos saberes que os povos africanos trouxeram, escravizados, da África. Acredito ser possível teorizarmos uma possibilidade híbrida.
O processo da colonização portuguesa do Brasil, no século XVI, principiou com a adoção do ciclo do pau-brasil e o uso da mão de obra dos silvícolas brasileiros. Com a não adaptação indígena à imposição do trabalho a serviço dos portugueses, para o ciclo da cana-de-açúcar adotaram o trabalho escravo dos povos africanos. Pela brutal e cruel condição a que o povo africano foi submetido, escravizado e tendo que sobreviver com outros diferentes povos africanos, os múltiplos saberes de luta e sobrevivência dos diversos povos africanos aqui transportados foram amalgamando uma nova variação de luta totalmente brasileira.
A tradição oral foi interrompida ao longo dos séculos pela violência da escravidão na vida dos milhões de afro-brasileiros, e, por isso, não permite cravarmos com segurança qual a versão fidedigna ou mais próxima da verdade. Penso que todas trazem um fundo de verdade, pois fazem parte desse mosaico de tradições e saberes ramificados no extenso território brasileiro por séculos.
O significado da palavra “capoeira” também exige estudo e debate aprofundados. Escrevo abaixo a coleção de explicações do que encontrei na pesquisa:
- Origem no Congo que significa dar piruetas e lutar, representando briga de galo;
- Vem do tupi-guarani kapu`era, significa “mata que foi”. Ou seja, associado à vegetação de mata rasteira do interior brasileiro onde os negros escravizados trabalhavam e podiam praticar a capoeira;
- Cesto de origem portuguesa com o mesmo nome de capoeira que eram transportados capões e aves domésticas por escravos para venda nos mercados ou na rua. E, nos intervalos os escravos praticavam e transmitiam os movimentos da capoeira;
- No Brasil colônia, escravos bantos de Angola trouxeram a luta com a qual era praticado no intervalo do trabalho;
- Pastores do sul de Angola a utilizavam como iniciação à vida adulta na cerimônia chamada n`gola (zebra, em quimbundo). Os jovens deviam encostar o pé na cabeça do adversário, ao som de atabaques. O vencedor podia escolher a noiva que desejasse, sem pagar o dote, dentre as jovens que estavam sendo iniciadas à vida adulta.
A vinda da família real portuguesa, em 1808, transformou a colônia brasileira em vários aspectos, gradualmente, as cidades aumentaram a população e os negócios, anteriormente proibidos pela metrópole, foram liberados dinamizando a economia e transformando a sociedade. Vem do século XIX registros históricos da presença dos capoeiristas nas cidades do Rio de Janeiro, Salvador, Recife e São Luís. Consta de 31 de outubro de 1821, portaria no Rio de Janeiro determinando castigo corporal e repressão àqueles que fossem pegos praticando capoeira.
Com o advento da República, lembremos que pouco tempo após a abolição, a capoeira constava no Código Penal dos Estados Unidos do Brasil, vejamos:
Art. 402 - Fazer nas ruas e praças públicas exercício de agilidade e destreza corporal conhecida pela denominação Capoeiragem: andar em correrias, com armas ou instrumentos capazes de produzir lesão corporal, provocando tumulto ou desordem, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum mal. Pena: de prisão celular por dois a seis meses. Parágrafo único. É considerada circunstância agravante pertencer o capoeira a alguma banda ou malta. Aos chefes ou cabeças, se imporá a pena em dobro.
No começo da República, maltas de capoeiristas barbarizavam na capital do Brasil, contratados por grupos políticos para criar confusão no comício dos adversários, os praticantes da capoeira acabaram associados à malandragem, criminalidade e confusão que perdurou por longo período. Pessoalmente, considero que parcela do caráter marginal associada à capoeira deve-se ao racismo/preconceito muito em voga nos pensadores brasileiros do período, defensores da eugenia e eurocentrismo.
Sobre a abolição da escravidão no Brasil - 13/05/1888, carece buscarmos compreender melhor as circunstâncias que se deram associada a marginalização dos negros. O Estado brasileiro, no caso a monarquia, abandonou à própria sorte a população negra brasileira. Não houve qualquer preparação ou orientação de como deviam sobreviver, o que poderiam fazer ou morar dali em diante. A transformação da brutalidade das relações se daria na marginalização dos negros submetidos às piores condições de subjugação ao capitalismo com liberdade. A sobrevivência leva ao desespero e a criminalidade, às vezes, é o caminho que se impõe. Em toda sociedade ao longo da História humana, há quem, submetido à falta de perspectiva e apoio, recorra ao crime.
Manoel dos Reis Machado, mais conhecido como mestre Bimba, tem forte papel na divulgação e mudança do conceito da capoeira junto à população. Baiano, hábil capoeirista, ao lado do seu aluno José Cisnando Lima, criou o estilo Luta Regional Baiana para driblar a proibição da capoeira. Mestre Bimba percebia que a capoeira estava servindo apenas para distrair turistas, o novo estilo diferia da tradicional Capoeira Angolana, por agregar novos movimentos e golpes de outras artes marciais, como o batuque, tornando-a mais efetiva como luta. Em 1932, funda em Salvador, a primeira academia de capoeira do Brasil e desenvolve método de ensino e práticas que auxiliam e padronizam a formação dos novos praticantes.
Em 1937, mestre Bimba consegue alvará da Secretaria de Educação, Saúde e Assistência de Salvador e funda o Centro de Cultura Física e Luta Regional, foi elemento facilitador de aceitação social ao ensinar as elites. Em 1940, a capoeira deixa a ilegalidade quando cai sua proibição no Código Penal Brasileiro.
Ao longo dos anos, mestre Bimba fez diversas demonstrações com seu grupo pelo País para divulgar e desmistificar o caráter marginal da capoeira, conta-se que em 1953 ao apresentarem-se ao presidente Getúlio Vargas receberam dele a seguinte declaração: “A capoeira é o único esporte verdadeiramente brasileiro”.
Vicente Ferreira Pastinha, conhecido como mestre Pastinha, foi a principal referência no resgate da Capoeira Angola. Funda em 23 de fevereiro de 1941, no Pelourinho, o Centro Esportivo de Capoeira Angola, atraindo os capoeiristas defensores das tradições.
A partir dos anos 1970 surge a terceira vertente da capoeira, considerado estilo contemporâneo ou misto, com a junção dos elementos mais fortes da Regional e da Angola.
Em 15 de julho de 2008, a Roda de Capoeira foi reconhecida como Patrimônio Cultural Brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Em 2014, a Roda de Capoeira foi reconhecida, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.
Independente do estilo, a capoeira congrega as várias influências dos povos e culturas que construíram e compõem o imenso caldeirão multiétnico brasileiro, exportando nossa cultura pelo mundo junto aos praticantes e admiradores da arte.
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