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30 anos da morte de Ulysses Guimarães
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Historiador, pesquisador, escritor, editor do O POVO.Doc e ex-editor de Opinião do O POVO

30 anos da morte de Ulysses Guimarães

Neste 12 de outubro completam-se 30 anos da morte de Ulysses Guimarães, conhecido também por "Senhor Democracia" e "Senhor Diretas", um dos políticos de maior destaque na segunda metade do século XX e diretamente envolvido na redemocratização do Brasil
Tipo Análise
Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Constituinte, exibe a nova Constituição. Ao seu lado, o político cearense Mauro Benevides. 5 de outubro de 1988 (Foto: Wikimedia Commons)
Foto: Wikimedia Commons Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Constituinte, exibe a nova Constituição. Ao seu lado, o político cearense Mauro Benevides. 5 de outubro de 1988

O Brasil vive, atualmente, tenebrosos tempos. As relações institucionais entre os poderes Executivos, Legislativo e Judiciário estão esgarçadas pela cooptação do Parlamento, ameaças veladas ao Supremo Tribunal Federal (STF) e deboche com a sociedade. Para demonstrar que é possível um Brasil de respeito e equilíbrio das instituições em prol das boas causas e diálogo vamos resgatar a trajetória de Ulysses Guimarães, personagem referencial da política brasileira.

Ulysses Silveira Guimarães (6.10.1916 – 12.10.1992) nasceu em Itirapina (SP), filho de um coletor federal e uma professora, profissionalmente, iniciou pela carreira do magistério. Em 1932 foi diplomado professor primário pela Escola Normal Livre de Lins. O aperfeiçoamento dos estudos foi na capital paulista no Instituto de Educação Caetano de Campos, depois, lecionava Latim e História em vários ginásios.

Nos tempos da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) destaca-se ao ser presidente da Associação Acadêmica Álvares Azevedo, vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), diretor do Santos Futebol Público e Federação Paulista de Futebol e, em concurso da Academia Paulista de Literatura, recebe o título de “O maior prosador das arcadas”.

Nos anos 1940 dedica-se à advocacia, especializando-se em direito tributário e continuando o magistério ensinando Direito, em diferentes tempos, na Universidade Presbiteriana Mackenzie, Faculdade de Direito de Itu e Instituição Toledo de Ensino, em Bauru.

A trajetória política de Ulysses principia quando se elege deputado estadual pelo PSD (Partido Social Democrático), em 1947, quatro anos depois faz-se deputado federal, o que conseguirá por onze mandatos consecutivos. Em disputa com Alcides Carneiro, do PSD da Paraíba, vence para presidir, pela primeira vez, a Câmara dos Deputados no biênio 1956-1957.

Para não afrontar o então governador Jânio Quadros, o presidente Juscelino Kubitschek não apoia a candidatura de Ulysses ao governo paulista. Na fracassada experiência parlamentarista do gabinete Tancredo Neves, Ulysses licencia-se da Câmara para ser ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do Governo João Goulart.

Nas pesquisas que fiz para a coluna não encontrei justificativas da adesão de Ulysses Guimarães ao golpe militar de 1964, inclusive participando da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, e, seu arrependimento ao ingressar no MDB (Movimento Democrático Brasileiro) quando imposto pelos militares o bipartidarismo.

A ditadura militar (1964-1985) caracterizou-se, como toda ditadura, pela violência física e institucional, prisão, tortura, cassação, assassinato, controle do Legislativo, Judiciário e Executivo com ocupantes cooptados ou defensores de sua filosofia. Em 1967 foi imposta uma Constituição que amputava a democracia brasileira dando superpoderes ao Executivo federal.

Ulysses assume o fragilizado MDB em 1971, eram sete senadores e 87 deputados federais. Em 1966, haviam 21 senadores e 140 deputados federais. Acreditava superar a ditadura usando as regras do sistema para contornar as limitações políticas. Por exemplo, em 1973, lançou-se como anticandidato à Presidência da República, tendo como vice o jornalista e político Barbosa Lima Sobrinho. Mesmo sabendo que a eleição era um jogo de cartas marcadas, na ditadura os governos federais dominados pelas forças armadas impunham sua vontade no Parlamento com a eleição indireta, Ulysses Guimarães resolve disputar com Ernesto Geisel, percorrendo o País e denunciando o Estado de exceção que vigorava no Brasil.

No ano seguinte, nas eleições legislativas, o MDB ganhou destaque fazendo 15 dos 21 senadores e 165 dos 364 deputados federais. Diretamente responsável, Ulysses Guimarães.

Com o fim do bipartidarismo em 1979, Ulysses foi o último presidente do MDB e primeiro do PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro). Com a reformulação partidária nacional, Ulysses colocou o PMDB como representante da oposição ao governo, defensor das eleições diretas em todos os níveis, do Estado Democrático de Direito e convocação da Assembleia Constituinte.

A vitória da oposição nas eleições de 1982, o cansaço da sociedade brasileira às limitações impostas pela ditadura e o desgaste das forças armadas fez nascer a mobilização por eleições diretas para presidente. O movimento das Diretas Já foi crescendo nos estados ao longo de 1983 e culminando no começo de 1984 com os comícios no Rio de Janeiro com um milhão de pessoas e um milhão e meio de pessoas em São Paulo. Ao lado de Tancredo Neves, Franco Montoro, Leonel Brizola e tantos outros líderes políticos, artistas e movimentos da sociedade civil, Ulysses percorreu o País impulsionando o resgate dos ideais democráticos plenos.

Após a derrota da emenda Dante de Oliveira, o moderado Tancredo Neves foi escolhido para representar o movimento das forças contrárias à ditadura, Ulysses foi preterido por simbolizar o embate contra os governos militares e, evidentemente, não agregar à coalizão que incluía os arrependidos.

Vitorioso, Tancredo Neves foi operado um dia antes da posse. Alguns líderes políticos defendiam que Ulysses, eleito presidente da Câmara dos Deputados (1985-1986, 1987-1988), deveria assumir a Presidência da República, era a maior liderança política do País. O vice-presidente eleito, José Sarney, era cria da Arena e ex-líder do PDS que, insatisfeito com a escolha de Paulo Maluf como candidato governista, junto a Aureliano Chaves, Marco Maciel, Jorge Bornhausen e Guilherme Palmeira formaram a Frente Liberal que se aliara ao PMDB na disputa presidencial. Ulysses abre mão do poder assegurando que pela Constituição a posse deve ser assegurada a Sarney.

Um dos maiores momentos políticos de Ulysses Guimarães, seguramente, foi a condução da elaboração da nova Constituição brasileira. Ulysses era presidente do PMDB, presidente da Câmara dos Deputados e presidente da Assembleia Nacional Constituinte. Seu poder rivalizava com o do presidente da República, foi decisivo na condução dos trabalhos e cumprimento dos prazos. Em 5 de outubro de 1988 foi promulgada aquela que ficou conhecida como a Constituição Cidadã, destaco um trecho do discurso de Ulysses Guimarães neste histórico dia:

A Constituição, certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a reforma. Mas, quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la nunca. Traidor da Constituição é traidor da pátria. Conhecemos o caminho maldito: rasgar a Constituição, trancar as portas do parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio, o cemitério. (...) Tenho ódio à ditadura. Ódio e nojo (…) A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram”.

A relação de Sarney e Ulysses era conflituosa, tensa, não eram próximos. A explosão inflacionária e os vários planos econômicos do governo Sarney resvalaram no consenso político e popular em torno de Ulysses, por ser o comandante do partido do governo, sustentáculo do constante fracasso econômico que o País estava mergulhado. Isto se refletiu quando contrariando seus colegas de partido insistiu em ser o candidato do PMDB na primeira eleição direta à Presidência da República desde 1960. Descolado da realidade brasileira, teve 4,4% dos votos, terminando na sétima posição.

As eleições legislativas de 1990 foram marcadas por seu desprestígio político, ficou na 31ª posição dentre os deputados federais paulistas eleitos, perdeu a presidência do PMDB e proibido de disputar a presidência da Câmara dos Deputados. Aos que se interessarem em aprofundar o estudo do tema, sugiro leitura do seu discurso de despedida – Oração do adeus.

Em 12 de outubro de 1992, Ulysses regressava de Angra dos Reis (RJ) com destino à capital paulista acompanhado da esposa Ida de Almeida (Mora), ex-senador Severo Gomes e sua esposa, Maria Henriqueta; e o piloto Jorge Comemorato. O helicóptero que os conduziu choca-se no mar, minutos após decolar. O corpo de Ulysses foi o único a não ser resgatado.

Em 24.4.2019, Ulysses Guimarães passou a integrar o Panteão dos Heróis da Pátria Brasileira.

Foto do Sérgio Falcão

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