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O Pasquim, jornalismo fantástico de resistência
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Historiador, pesquisador, escritor, editor do O POVO.Doc e ex-editor de Opinião do O POVO

O Pasquim, jornalismo fantástico de resistência

O Pasquim representa um marco do jornalismo, responsável por oferecer um retrato satírico e multifacetado da sociedade brasileira durante sua existência - 22.06.1969, sua primeira edição, até seu final melancólico em 11.02.1991. Foram 1.072 edições que revolucionaram gráfica e editorialmente com conteúdo irreverente, contestador, múltiplo e criativo pelas mãos de lendas da imprensa brasileira
Tipo Análise
Parte da equipe do semanário O Pasquim, dentre eles, Paulo Francis e Jaguar. Capa da edição nº 80, de 14 a 20.01.1971. (Foto: Reprodução)
Foto: Reprodução Parte da equipe do semanário O Pasquim, dentre eles, Paulo Francis e Jaguar. Capa da edição nº 80, de 14 a 20.01.1971.

O Pasquim nasceu de uma reunião entre Jaguar, Tarso de Castro e Sérgio Cabral em 1968 para definir a substituição do semanário A Carapuça, tocado por eles, mas, para todos efeitos comandado pelo recém-falecido Sérgio Porto (também conhecido como Stanlislaw Ponte Preta). Decidiram criar novo projeto, um semanário, ou, como preferiam, o hebdomadário O Pasquim.

O período não era nada propício para a imprensa livre, muito menos alternativa, como se propunham. O Brasil estava mergulhado na ditadura militar instaurada em 1964, a criatividade, o sarcasmo e a reinvenção do jornalismo que se propunham foram marcas desde o início do semanário, tabloide, produzido no Rio de Janeiro.

Se não podia atacar frontalmente a ditadura, O Pasquim atingia seus apoiadores como a classe média de direita, seu moralismo, hábitos e comportamentos. O Pasquim demoliu a sisudez e rigidez do jornalismo, as entrevistas eram transcritas como conversas, entrevistados eram contrários ao regime ditatorial, tudo uma mistura de política, crítica social, humor e comportamento.

A primeira edição saiu com 14 mil exemplares, reimpressa no mesmo dia porque esgotaram nas bancas. Em poucas semanas o semanário chegou a 250 mil exemplares. O Pasquim tinha uma equipe estelar como Jaguar, Ziraldo, Ivan Lessa, Henfil, Millôr Fernandes, Paulo Francis, Claudius Ceccon, Fortuna, Carlos Prósperi, Paulo Garcez, Flávio Rangel, Redi, Caulos, Sérgio Augusto, Luís Carlos Maciel, Miguel Paiva e muitos outros referenciais da imprensa brasileira.

Uma das marcas do hebdomadário são as ilustrações que passeavam nas páginas e interagiam com os textos, como o ratinho Sig (Sigmund Freud, que dizia “Se Deus havia criado o sexo, Freud criou a sacanagem”), Fradinhos, a Graúna, Zeferino, bode Orelana, Ubaldo, Tânia, a fossa, A Anta de Tênis, Boris, o Homem Tronco, Jeremias, o bom e os Zeróis.

A égide do famigerado AI-5 (Ato Institucional Nº 5) já vigorava tolhendo a democracia e a liberdade individual. A famosa entrevista da exuberante, desbocada e polêmica Leila Diniz foi responsável pela ditadura militar impor mais uma anomalia no Brasil, a Lei da Imprensa que amordaçava a liberdade de expressão instaurando a censura prévia nas redações. Os textos do semanário passaram a ser liberados em Brasília.

A sátira do quadro de Pedro Américo sobre o grito do Ipiranga rendeu, à maior parte da redação de O Pasquim, prisão na Vila Militar do Rio, de novembro de 1970 a fevereiro de 1971. Neste período, Millôr Fernandes, que havia escapado da prisão porque não fora encontrado, assumiu a direção do semanário contando com a colaboração dos que não foram presos e a participação solidária de famosos e intelectuais como Chico Buarque, Rubem Fonseca, Antônio Callado, Glauber Rocha e muitos outros. Ao público, como não podiam revelar o motivo do verdadeiro sumiço dos colegas, foi publicado que estavam gripados (figurativamente, não deixa de ser verdade, mas, a tenebrosa doença golpista durou 21 anos no total).

Visado pelos simpatizantes da ditadura e grupos da linha-dura que agiam na clandestinidade, O Pasquim foi alvo de bomba no prédio que, felizmente, foi desarmada. Nos anos 1970, as bancas que vendiam o semanário sofreram explosões, afetando a tiragem e, as que resistiram, às vezes, o comercializava às escondidas.

O Pasquim envolveu-se nas grandes causas do País, com atuação marcante na anistia e movimento das Diretas Já. A rotatividade da redação, a instabilidade financeira e fragilidade administrativa afetava constantemente a qualidade editorial do hebdomadário. Os principais nomes do seu início saíram, gradativamente, passando a trabalhar nas empresas tradicionais da imprensa em busca de estabilidade profissional.

Desequilibrado financeiramente, em 1982 acontece o começo da derrocada por conta do partidarismo de subsistência que O Pasquim fiava sua existência. O racha deu-se na disputa entre Ziraldo que defendia a candidatura de Miro Teixeira/PMDB ao governo fluminense, e Jaguar que chancelava Leonel Brizola/PDT na mesma eleição. O derrotado na eleição estadual deixaria ao outro o comando do hebdomadário.

Nos quatro anos seguintes as páginas cheias de propaganda oficial estadual tornaram O Pasquim em um veículo “chapa branca” do brizolismo, para completar a trajetória suicida, os tradicionais leitores deixaram de acompanhar o semanário, também, pelas constantes mudanças editoriais desacompanhadas do brilhantismo do passado.

A vitória de Moreira Franco no governo do Rio de Janeiro fechou a torneira de publicidade que equilibrava financeiramente O Pasquim, o descontrole inflacionário do governo José Sarney sacramentou decisivamente sua existência. A frágil circulação que beirava os oito mil exemplares salta aos 200 mil quando passa a ser encartado nos jornais locais em vários estados brasileiros. No Ceará, foi encartado no Jornal do Dorian. O efêmero sucesso financeiro oportunizou a criação de sucursais em São Paulo e Porto Alegre, fechadas em 1988.

Em 1988, o empresário João Carlos Rabello compra de Jaguar O Pasquim, as mudanças ditas profissionais da nova gestão elevaram a tiragem aos 80 mil exemplares tornando o hebdomadário sisudo, sem a característica satírica que tanto o identificava.

No Carnaval de 1990, O Pasquim foi enredo na Acadêmicos de Santa Cruz, no grupo especial carioca, com o tema “Os Heróis da Resistência”. Na apuração dos resultados do desfile, Acadêmicos foi rebaixada.

O fim veio sem aviso, (in)conscientemente todos já esperavam, figurava inexpressivo no jornalismo brasileiro. Transformara-se num hebdomadário cadavérico que se arrastava aos suspiros e espasmos pelo tempo carregando com crescente e fatal debilidade o legado de resistência e inovação na imprensa.

P.S.: O site da Biblioteca Nacional traz os exemplares digitalizados de O Pasquim.

Foto do Sérgio Falcão

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