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Caça às bruxas, ou, primórdios da "minha bandeira jamais será vermelha"
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Historiador, pesquisador, escritor, editor do O POVO.Doc e ex-editor de Opinião do O POVO

Caça às bruxas, ou, primórdios da "minha bandeira jamais será vermelha"

O anticomunismo exacerbado nos Estados Unidos foi um dos reflexos da Guerra Fria, caracterizado pelo patrulhamento ideológico, patriotismo enviesado, manipulação midiática, desrespeito aos direitos civis, delação, intimidação e perseguição dos suspeitos de comunismo
Tipo Análise
Manifestantes anticomunistas norte-americanos apoiam perseguição em Hollywood. (Foto: Acervo público)
Foto: Acervo público Manifestantes anticomunistas norte-americanos apoiam perseguição em Hollywood.

O final da Segunda Guerra Mundial expôs nova dicotomia mundial, os antigos aliados contrários às forças do Eixo (Alemanha, Itália, Japão) foram protagonistas, em lados opostos, na Guerra Fria. Estados Unidos e União Soviética lideraram seus blocos (capitalismo x socialismo), dominando as tensões mundiais nas décadas seguintes.

Neste cenário, surgia a Doutrina Truman, um conjunto de medidas norte-americanas para conter o avanço soviético. Internamente, desde os anos 1930 havia vigilância, principalmente nos sindicatos e pelos formadores de opinião dos possíveis representantes ou aliados do comunismo russo em solo estadunidense,  que principiava ampliar sua influência nos demais países.

Caça às bruxas” foi uma expressão criada pelo escritor Arthur Miller, nos anos 1950, que sintetizou o patrulhamento ideológico anticomunista entre 1946 e 1957 nos Estados Unidos. Este resultava na acusação da falta de patriotismo dos prováveis comunistas ou simpatizantes, descambando em inquéritos e investigações agressivas nas instituições públicas e empresas privadas.

Milhares de norte-americanos foram acusados de serem comunistas ou simpatizantes, especialmente nos segmentos das instituições públicas, indústria do entretenimento, sindicatos e educação. As suposições, evidências inconclusivas e clima de delação resultavam em demissões e/ou prisões, que, depois de comprovadas infundadas e ilegais, não consertavam as tragédias pessoais e profissionais causadas pela perseguição ideológica.

O Comitê de Atividades Antiamericanas (HUAC) do Congresso norte-americano, por meio de audiências públicas e investigações dos prováveis comunistas, foi responsável por pressionar os estúdios de Hollywood na produção da Lista Negra de Hollywood, contendo nomes de produtores, roteiristas, diretores e afins da indústria do cinema que tivessem ligação comunista. Tudo por considerarem o peso do cinema norte-americano na economia e transmissão de ideologia. Neste trabalho sujo de delação participaram nomes consagrados, como Walt Disney, John Wayne, Ronald Reagan, Elia Kazan, Gary Cooper, Jack Warner e Edward G. Robinson.

A Lista Negra de Hollywood tinha 325 nomes da indústria do cinema que foram proibidos de trabalhar no meio, dentre eles, Orson Welles, Arthur Miller, Aaron Copland, Dashiell Hammett, Lillian Hellman e Dorothy Parker.

Neste processo, o senador Joseph McCarthy desponta como uma das vozes estridentes a apropriar-se do medo do comunismo nos Estados Unidos que disputavam a hegemonia política-ideológica-econômica internacional na Guerra Fria. McCarthy capitalizou de tal forma o clima de perseguição ideológica que o termo macarthismo passou a significar a prática da acusação de subversão ao comunismo ou traição dos Estados Unidos, caracterizada por campanhas de medo e delação.

As audiências no Congresso viravam espetáculos televisionados, os indiciados chegavam considerados condenados pelos congressistas acusadores, com o papel de se retratar perante à nação. Personalidades como Humphrey Bogart, Gregory Peck, Kirk Douglas, Lauren Bacall, Burt Lancaster, Katherine Hepburn, John Houston, Lucille Ball, Judy Garland, Gene Kelly e Frank Sinatra, dentre outros, se opuseram ao macarthismo, não comparecendo às audiências e criando o Comitê da Primeira Emenda, em protesto contra a investigação desmedida.

Há filmes que oferecem visão aproximada da perseguição anticomunista nos anos 1940 e 1950, são eles: Boa Noite e Boa Sorte; Trumbo: Lista Negra; Culpado por Suspeita; Cine Majestic.

Vale destacar que o FBI (Departamento Federal de Investigação), orientado por seu diretor-geral J. Edgar Hoover, foi envolvido contra a espionagem soviética em solo norte-americano e vigilância aos agentes infiltrados, simpatizantes e defensores do comunismo.

A queda de McCarthy acontece em 1954, após acusar de vergonha nacional na audiência televisionada do Congresso o general de brigada Ralph Zwicker, oficial altamente condecorado e herói da Segunda Guerra Mundial, gerando revolta do Exército norte-americano e do presidente Dwight Eisenhower (Comandante Supremo das Forças Aliadas na Europa durante a Segunda Guerra Mundial). A opinião pública foi abalada pelo acontecimento, dando-se conta do deletério clima de perseguição ideológica e discursos vazios de McCarthy. A perseguição e o expurgo foram arrefecendo, no final da década desapareceram de forma expressiva nos Estados Unidos.

 

"A História é interconectada, aponta caminhos, traz exemplos e reflexões necessárias aos que se propõem a pensar na construção de saberes e realidades melhores. "

 

Nas décadas de 1960 e 1970, a perseguição aos comunistas foi importante método de dominação nas ditaduras que se multiplicaram na América Latina, apoiadas pelos Estados Unidos que enxergava o continente americano como zona de influência e domínio incontestável.

Na descompensada realidade que se encontra o Brasil, o pretenso medo do comunismo e o inexplicável saudosismo de uma ditadura que elimine todas as formas de liberdade democrática são servidos para conduzir o bárbaro e criminoso grupo de apoiadores da extrema direita, constando crescentes crimes de assassinato e espancamento de brasileiros com pensamento político, social, econômico ou sexual diferente ou mesmo que ousem usar roupa vermelha.

A História é interconectada, aponta caminhos, traz exemplos e reflexões necessárias aos que se propõem a pensar na construção de saberes e realidades melhores. 

Foto do Sérgio Falcão

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