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Abecedário histórico do MST
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Historiador, pesquisador, escritor, editor do O POVO.Doc e ex-editor de Opinião do O POVO

Abecedário histórico do MST

O debate qualificado em torno da questão agrária brasileira passa, necessariamente, pelo diálogo e entendimento do movimento que congrega parcela expressiva dos sem terra. O MST transcendeu estereótipos que, estrategicamente, tentaram limitá-los, transformando-se na principal voz do trabalhador do campo que cansou de ficar à mingua esperando os beneplácitos dos donos do poder
Tipo Análise
Bandeira do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Bandeira do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

O latifúndio se instalou no Brasil desde sua formação como colônia portuguesa no século XVI, pela força do dinheiro sesmarias e capitanias hereditárias pertenciam aos proprietários que mantinham poderes quase ilimitados. Ao longo dos séculos, prioritariamente, a terra pertencia a quem detinha mais poder e dinheiro, mesmo a despeito da capacidade de uso e concentração nas mãos de poucos em detrimento da imensa maioria despossuída. Segundo dados do IBGE, no Brasil, em pleno século XXI, 1% do total das propriedades rurais ocupam aproximadamente 50% da área rural do País.

No período da ditadura militar (1964-1985), as desigualdades sociais perpetuavam-se sob a égide do fantasioso e falacioso “milagre econômico”, a questão agrária priorizava a colonização de terras devolutas em regiões remotas, como a região Norte. (Vejam como o desmatamento indiscriminado atual, incentivado e impune, tem seu início neste período) Concomitantemente, o reflexo da mecanização da agricultura contribuiu para a eliminação das pequenas e médias propriedades agrícolas, favorecendo a concentração de terras e aumentando o êxodo rural.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é herdeiro das várias resistências que existiram e foram massacradas pelos donos do poder ao longo dos séculos. Seu surgimento como movimento social e política principia silencioso, na confluência da opressão e necessidade de união e propósito dos desfavorecidos. Contando apoio da Igreja Católica, via Comissão Pastoral da Terra (CPT), como das oposições sindicais, no começo da década de 1980, agricultores que perderam suas terras em virtude da construção da barragem de Itaipu (PR) ocuparam as fazendas Macali e Brilhante no Paraná e fazenda Burro Branco, em Santa Catarina, formando o Movimento dos Agricultores Sem Terra do Sudoeste (Mastro). No mesmo período, ganhou projeção nacional o acampamento Encruzilhada Natalino, em Ronda Alta, no Rio Grande do Sul.

Representantes do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Minas Gerais se reuniram em julho de 1982, em Medianeira (PR), no primeiro encontro de trabalhadores sem terra. Em setembro, em Goiânia (GO), acontece novo encontro com representantes de 16 estados. Em 1983, em Chapecó (SC), foi criada comissão regional provisória. Finalmente, em janeiro de 1984, em Cascavel (PR), o MST se institucionalizou com elaboração dos seus princípios. Em janeiro do ano seguinte acontece em Curitiba (PR), o primeiro congresso nacional do MST. Dentre as principais reivindicações destacam-se: reforma agrária sob o controle dos trabalhadores; desapropriação das terras acima de 500 hectares; extinção do Estatuto da Terra; criação de novas leis para o campo com a participação dos trabalhadores.

A Constituição brasileira de 1988 veio estabelecer o processo de desapropriação das terras mediante indenização, presentes nos artigos 184 e 186. Ao Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) foi destinado a condução da desapropriação, e, segundo seus dados, até 2016 mais de 1,3 milhão de famílias foram assentadas pelo governo em mais de 88 milhões de hectares, desapropriados ou cedidos pela União.

Neste período, para contrapor a organização dos sem terra foi criado pelos proprietários rurais a União Democrática Ruralista (UDR), organização responsável por articular politicamente os interesses dos latifundiários, atualmente representados na bancada ruralista do Congresso Nacional.

Marchas, caminhadas e romarias cruzando o País se dirigindo às capitais estaduais, ocupando órgãos públicos serviram para dar visibilidade ao movimento, chamando atenção da opinião pública ao problema agrário brasileiro.

Ocupações e marchas são ações do MST objetivando instalar os acampamentos (ocupações de propriedades de terra em situação irregular/ilegal). Os acampamentos são uma forma de pressionar os governos, para agilizar desapropriação e concessão dos direitos da terra. Não é um processo rápido, leva anos.

A formação do MST privilegia a independência da gestão e ações nos organismos estaduais, a esfera nacional funciona de modo referencial e político. O MST, no final dos anos 1980, passa orientar seus membros para o trabalho coletivo ou nas formas associativas de produção. A partir de 1989, a nível local, formam-se as Cooperativas de Produção Agropecuária, nos estados e nacionalmente, via Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil (Concrab).

O cooperativismo agrícola propicia dar suporte visando melhorar a competitividade dos produtos dos assentados no mercado consumidor, trabalhar a capacitação na formação técnica da propriedade e teórica no fortalecimento das novas lideranças.

Entre 2012 e 2021, o número de trabalhadores rurais com ensino superior ou mais passou de 189,8 mil para 389,8 mil pessoas. O movimento, desde sua gênese, possui preocupação em dotar os acampamentos com escolas e universidades voltados, sem exclusividade, ao seu público.

Nestes tempos absurdos de fake news e constantes informações irrelevantes, a imprensa e as redes sociais ficaram em catarse quando na entrevista com os candidatos à Presidência do Brasil, em 2022, no Jornal Nacional (Rede Globo), o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva disse que o MST é o maior produtor de arroz orgânico do Brasil. Acreditar em estereótipos e fake news dá nisso, quando o Brasil desconhece o Brasil real e profundo.

Parte da produção é adquirida pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e pelo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Em 2020, pelo País, em decorrência da pandemia de Covid-19, o MST doou cinco mil toneladas de alimentos e um milhão de marmitas nas periferias rurais e urbanas.

Os produtos do MST são comercializados pela rede Armazém do Campo, conta com 20 lojas físicas e 40 pontos de comercialização espalhados pelo Brasil. Em Fortaleza, um dos pontos de contato direto com o produtor sem terra acontece no segundo sábado do mês, onde bancas dos integrantes do MST oferecem diversos produtos no Centro de Formação Capacitação e Pesquisa Frei Humberto (Rua Paulo Firmeza, 445 - São João do Tauape).

Em 2022, pela primeira vez, o MST resolveu lançar candidaturas próprias que melhor representassem o movimento. Das 15 candidaturas lançadas no País, foram eleitos três deputados federais e quatro deputados estaduais, destes, o representante cearense Missias do MST, eleito para Assembleia Legislativa do Ceará.

Foto do Sérgio Falcão

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