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Noite dos Cristais Quebrados: princípio do Holocausto
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Historiador, pesquisador, escritor, editor do O POVO.Doc e ex-editor de Opinião do O POVO

Noite dos Cristais Quebrados: princípio do Holocausto

O crescimento de grupos neonazistas no Brasil e a adoção de práticas nazifascistas nos grupos políticos da extrema direita tupiniquim são graves alertas e reflexões quanto a consistência e o exercício do Estado Democrático de Direito em terras brasileiras. A coluna se propõe a refletir os descaminhos históricos que adotaram tais práticas e resultaram no maior genocídio do século XX
Tipo Análise
População alemã assiste vandalização das propriedades judaicas na Noite dos Cristais Quebrados. Provavelmente em Fürth, nos arredores de Nuremberg, em 10.11.1938. (Foto: Wikimedia Commons)
Foto: Wikimedia Commons População alemã assiste vandalização das propriedades judaicas na Noite dos Cristais Quebrados. Provavelmente em Fürth, nos arredores de Nuremberg, em 10.11.1938.

Uma catástrofe humanitária, em boa parte das vezes, resulta de uma sequência de pequenas atrocidades que são estranha e passivamente aceitas ao longo do tempo. Nesse processo de declínio civilizatório há um ponto de inflexão no qual descamba ao real sentido das intenções, até então não reveladas completamente. A Noite dos Cristais Quebrados foi este descaminho não humanitário em relação ao Holocausto, representou o começo da “Solução Final” da Alemanha nazista contra a população judaica, principalmente, resultando no massacre de seis milhões de judeus na Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Para compreensão global da dimensão trágica que culminou na Noite dos Cristais (ou Kristallnacht), acontecida nos dias 9 e 10 de novembro de 1938 na Alemanha, Áustria e região dos Sudetos (parte da antiga Tchecoslováquia), é preciso regredir no tempo e acompanhar as conjunções que substanciaram os eventos futuros.

A Alemanha saiu da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) completamente quebrada economicamente e em convulsão social, todo cenário de desespero é terreno fértil para ideias extremas e absurdas. Surge nos anos 1920 o partido nazista pregando o ressurgimento da nação alemã, amparando-se no extremismo nacionalista, apontando os judeus como os causadores da derrota na Grande Guerra e responsáveis pelo atual fracasso econômico alemão.

Com a ascensão do líder nazista Adolf Hitler como chanceler alemão, em 27.02.1933, principia a perseguição oficial ao povo judeu alemão. Leis foram criadas para limitar os direitos da população judaica, dentre elas, a Lei da Restauração do Serviço Público Profissional, de 07.04.1933, proibindo os judeus de trabalharem no serviço público. Na sequência destacam-se as Leis de Nuremberg, de 1935, proibindo o casamento de judeus com não-judeus e retirando a cidadania dos judeus alemães.

Em agosto de 1938, o governo alemão nazista determina a renovação das permissões de residência dos judeus de outras nacionalidades que ali viviam. A maioria não consegue a autorização de permanência alemã, perseguidos, centenas de milhares de judeus tentam emigrar para outros países, mas estas nações endurecem as políticas de admissão dos refugiados, insensibilizadas, omissas e corresponsáveis pelas perseguições nazistas.

Na fronteira entre Polônia e Alemanha, cerca de oito mil judeus poloneses passaram a residir nas piores condições no campo de refugiados ali instalado porque o governo alemão tentou transportá-los por trem ao país de origem e, a seguir, a Polônia os devolviam pelo rio. A crise dos judeus poloneses expulsos ficou conhecida como Polenaktion, só tinham direito a transportar seus pertences numa única mala, o que não podiam levar acabava confiscado por vizinhos ou autoridades alemãs. Dentre eles encontravam-se os pais do jovem Herschel Grynszpan, desesperados, pediam qualquer ajuda ao filho que antes emigrara e residia em Paris. Em 07.11.1938, Herschel Grynszpan busca falar com o embaixador, sendo recebido pelo diplomata Ernst vom Rath na embaixada alemã parisiense. Desesperado, aflito, Herschel dispara vários tiros em vom Rath, que falece dois dias depois.

No dia seguinte ao incidente em Paris, o governo nazista alemão proíbe a circulação de jornais e revistas judaicas, acesso das crianças judias às escolas e suspende atividades culturais judaicas.

Em 9 de novembro, o partido nazista realizava o jantar comemorativo do Putsch da Cervejaria de 1923. A partir da notícia do assassinato do diplomata alemão por um jovem judeu, filho de refugiados forçados a viver na fronteira do país, Joseph Goebbels, ministro da propaganda nazista, incita as lideranças regionais nazistas a executarem o pogram (ataque contra grupo de pessoas) contra os judeus, desde que os executores não fossem identificados como nazistas e não aparentassem terem sido orientados pelo partido ou governo. A execução do ataque deveria ser montada dando impressão de espontaneidade.

A Sicherheitspolizei (Polícia de Segurança) e Sturmabteilung (SA) receberam instruções de proteger os negócios dos não-judeus, recolher arquivos das sinagogas e prender judeus adultos para serem levados aos campos de concentração de Dachau, Buchenwald e Sachsenhausen.

Os ataques foram direcionados às residências, lojas e sinagogas judaicas na Alemanha, Áustria e região dos Sudetos. Cerca de 91 judeus foram mortos na Alemanha, 30 na Áustria, não há informações consistentes dos assassinatos de judeus nos Sudetos. Aproximadamente 30 mil judeus foram presos e levados aos três campos de concentração, 267 sinagogas foram destruídas ou incendiadas, mais de sete mil lojas foram destroçadas e cemitérios judaicos foram violados. A explicação do nome Noite dos Cristais Quebrados decorre dos vidros das vitrines das lojas estilhaçados no chão após os ataques nazistas, sem qualquer intervenção das autoridades alemãs.

A passividade com que a maioria do povo alemão demonstrou em relação aos ataques contra os judeus funcionou como validação do governo nazista da sua política de perseguições adotada. Centrada, principalmente, nos judeus, a perseguição abrangeu outros grupos minoritários também considerados párias da sociedade. São eles: homossexuais, ciganos, deficientes físicos, negros, Testemunhas de Jeová, prostitutas, pedintes e bêbedos.

O governo alemão nazista, visando apropriação financeira, acusou os judeus de promoverem o massacre e quebra-quebra no país e impôs multa de um bilhão de Reichsmark (moeda alemã na época) à comunidade judaica, confiscando o pagamento de todos os seguros destinados aos judeus pelos bens destruídos e determinando o conserto das residências e lojas com recursos dos próprios judeus.

Foto do Sérgio Falcão

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