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Evita Perón, mãe dos descamisados
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Historiador, pesquisador, escritor, editor do O POVO.Doc e ex-editor de Opinião do O POVO

Evita Perón, mãe dos descamisados

A curta e intensa vida de Eva Perón a consagraram por toda eternidade na História da Argentina. Atuando em período de grave instabilidade econômica e política argentina no século XX, seu estratégico trabalho político e social em favor dos pobres e das mulheres refletiram-se na consolidação do peronismo e a projetaram como liderança definitiva
Tipo Análise
Eva Perón ao lado do marido, o presidente Juan Perón: ela se tornou primeira-dama aos 27 anos, e morreu aos 33 (Foto: AP/ picture alliance)
Foto: AP/ picture alliance Eva Perón ao lado do marido, o presidente Juan Perón: ela se tornou primeira-dama aos 27 anos, e morreu aos 33

Maria Eva Duarte (7.5.1919 – 26.7.1952) viveu por apenas 33 anos, de forma intensa e marcante superou a pobreza, o machismo e a falta de oportunidades às mulheres para inserir seu nome na História mundial, extrapolando as limitações temporais e fronteiriças. Filha de relacionamento extraconjugal do estancieiro Juan Duarte com a costureira Juana Ibarguren, foi a única dos irmãos maternos que não teve o nome do pai na certidão de nascimento. Nascida em Los Toldos, após a morte do pai em acidente automobilístico e a exposição discriminatória da condição materna, muda com a família para Junín, província de Buenos Aires.

O bullying na escola por ser filha ilegítima e a ausência do nome paterno nos documentos moldaram sua personalidade. Fã das estrelas de Hollywood e das novelas de rádio, também era leitora das revistas de cinema. Aos 15 anos, em 2.1.1935, acompanhada do jovem cantor de tango e amigo da família Agustín Magaldi decide mudar-se para a capital do país, Buenos Aires, para conquistar o sonho de tornar-se uma estrela do cinema.

Os primeiros anos foram difíceis, inexperiente, sem proteção ou orientação ficou à mercê dos aproveitadores. A primeira peça teatral foi “La Señora Pérez”, depois participando de outras e realizando turnês. O primeiro filme foi “Segundo Afuera”, em 1937, sem grande orçamento e repercussão, participando a seguir das radionovelas.

Em 22.1.1944, acontece evento para arrecadação de fundos às vítimas do terremoto em San Juan. Artistas foram convidados para engajarem-se na mobilização junto à sociedade, este evento é considerado o momento que Eva Duarte conhece o coronel Juan Domingo Perón, vice-presidente da Argentina, ministro da Guerra e chefe da Secretaria do Trabalho e Previdência.

Em 1945, Perón perde o apoio das Forças Armadas e é preso por ordem do inexpressivo presidente Edelmiro Farrel. Hábil político, populista, fortalecido pelos benefícios trabalhistas junto às classes trabalhadoras, na Argentina há intensa mobilização com Eva Duarte envolvendo-se na organização dos comícios populares pressionando pela libertação do líder e criador do peronismo. Após 11 dias Perón é solto em 17.10.1945, no que ficou conhecido como “Dia da Liberdade Peronista”. Casam-se cinco dias depois.

No ano seguinte Juan Perón é eleito presidente da Argentina, durante seu primeiro mandato Evita Perón (nome e sobrenome ganham nova configuração pela participação crescente na política) vai ganhando diversas alcunhas demonstrativas do seu papel cada vez mais mítico e místico na Argentina. São eles: “Nossa Senhora da Esperança”, “Dama da Esperança”, “Santa Evita”, “Mãe dos Pobres”, “Porta-bandeira dos humildes”, “Mãe dos descamisados”.

Como primeira-dama foi responsável por apresentar ao Congresso argentino leis que permitissem o voto feminino nas eleições, paridade entre o homem e a mulher, fim das diferenças entre os filhos legítimos e ilegítimos. Em 1949, funda e presidente o Partido Peronista Feminino. Envolve-se na defesa dos mais vulneráveis, chamados por ela de descamisados. Em todo país, promove programas sociais assistencialistas via Fundação Eva Perón com a criação de hospitais, instituições educacionais, asilos, orfanatos, loja de alimentos, atendimento médico.

Na campanha pela reeleição de Perón, em 1951, a participação de Evita é menos intensa em virtude dos desmaios e hemorragias cada vez mais frequentes. A reeleição foi facilitada pelo trabalho assistencial, obras de caridade e leis inclusivas, como o voto feminino.

Evita Perón falece em 26.7.1952, vítima de câncer no colo do útero, aos 33 anos. Pouco antes de morrer, o Congresso lhe concede o título de “Chefe Espiritual da Nação”. Horas após sua morte o anatomista espanhol Pedro Ara começou o serviço de embalsamento da primeira-dama, Perón pretendia colocar seus restos mortais no Monumento ao Descamisado, mausoléu a ser construído. Seu velório durou 13 dias.

Em 1955, na chamada Revolução Libertadora, mais uma das tantas revoluções e golpes na América Latina, Perón é deposto e exilado. Enquanto o mausoléu não era construído o corpo de Evita continuava na Confederação Geral do Trabalho (CGT), em Buenos Aires. O novo governo temendo que os peronistas se apossassem dos restos mortais de Evita para contestar o novo governo, decide sequestrá-lo e movê-lo para vários esconderijos nos próximos dois anos, inclusive exibindo como troféu.

Numa operação secreta que envolveu até o Vaticano, o corpo de Evita Perón é levado de navio à Itália e enterrado em segredo no cemitério Maggiore, em Milão. Uma lápide falsa foi providenciada e até uma freira, que desconhecia completamente a identidade verdadeira da falecida, foi contratada para levar com frequência flores ao túmulo.

Em 1970, crescia onda de violência da juventude peronista contra os militares do poder. Por exemplo, o ex-presidente argentino general Aramburu fora sequestrado e morto pela organização político-militar e guerrilha urbana Montoneros. Para pacificar o país, militares propuseram ao exilado Juan Perón o “Grande Acordo Nacional". Dentre as ações deste acordo encontrava-se a “Operação Devolução”, devolução do corpo de Evita ao marido. O corpo da ex-primeira-dama foi exumado na Itália e levado à Madri, onde residia Perón.

Em 1973, Juan Perón regressa à Argentina, eleito presidente no mesmo ano. Isabelita Perón, atual esposa, é eleita vice-presidente da Argentina. Juan Domingo Perón falece pouco tempo depois, em 1.7.1974. Os guerrilheiros que sequestraram e mataram o ex-presidente Aramburu sequestram seu corpo exigindo que o corpo de Evita Perón regressasse à pátria, o que acontece em novembro de 1974.

A presidente Isabelita Perón pretendia construir o “Altar da Pátria”, mausoléu onde seriam sepultados os heróis argentinos, dentre eles, Juan e Evita Perón. A ditadura militar argentina, novamente, destruiu os planos democráticos e de Isabelita, em 1976. Quanto ao corpo de Evita, foi entregue à família Duarte que a sepultou no mausoléu da família no cemitério da Recoleta, em Buenos Aires.

Janja da Silva, primeira-dama do Brasil a partir de janeiro de 2023, afirma ter Evita Perón e Michelle Obama como inspirações para seu trabalho ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Quais reflexões, lições ou espelhos Janja tirará de Evita Perón somente os próximos anos dirão. A coluna foi nossa contribuição ao debate e conhecimento.

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