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O ovo da serpente: Nascedouro do nazismo no Brasil
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Historiador, pesquisador, escritor, editor do O POVO.Doc e ex-editor de Opinião do O POVO

O ovo da serpente: Nascedouro do nazismo no Brasil

Existe um bode na sala do Brasil, chama-se neonazismo. Inspirado no nazismo alemão que foi responsável pela Segunda Guerra Mundial, perseguição e morte no holocausto de seis milhões de judeus, ciganos, homossexuais, incapacitados, dentre outros grupos que julgavam ser inferiores. No Brasil atual, a versão tupiniquim do neonazismo não foi devidamente encarada pela sociedade e pelo Estado brasileiro como um grave problema social, que, silenciosa e agressivamente, vem representar e aliar-se às manifestações da extrema direita brasileira
Tipo Análise
Fotografia de 1929 do grupo nazista em Bella Aliança, Santa Catarina, atual Rio do Sul.  (Foto: Arquivo Público Histórico de Rio do Sul / Wikimedia Commons)
Foto: Arquivo Público Histórico de Rio do Sul / Wikimedia Commons Fotografia de 1929 do grupo nazista em Bella Aliança, Santa Catarina, atual Rio do Sul.

A antropóloga e pesquisadora Adriana Dias, especialista no tema e recém-falecida, mapeou em janeiro de 2022 a existência de 530 núcleos neonazistas espalhados pelo Brasil, com aproximadamente 10 mil integrantes. A ascensão ao poder nacional de Jair Bolsonaro, simbolizou a conivência, o incentivo e a liberalidade quanto às ideias extremistas. A perniciosa influência do então maior mandatário brasileiro refletiu-se, no seu governo, na negação da verdade histórica, apologia ao nazismo como o praticado por Roberto Alvim, então Secretário da Cultura do Brasil, em referência ao discurso de Joseph Goebbels, inércia/incentivo ao genocídio de negros, gays e índios, considerados párias da sociedade, dentre outros exaustivos e inaceitáveis exemplos.

Para argumentar e buscar entender os perigos que tais ideias representam à humanidade no presente e seus reflexos no futuro que desejamos civilizatório e democrático é preciso voltar ao passado e estudar cenários e personagens que construíram um dos movimentos mais perigosos da humanidade. Vamos ao desafio.

Os reflexos da derrota alemã na Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e as severas imposições dos vitoriosos foram devastadores para sua população, refletindo-se na hiperinflação, desemprego, desordem social e política que foram algumas das marcas que convulsionaram àquela sociedade. No século XIX, ainda no Brasil imperial, imigrantes alemães chegaram às terras brasileiras para trabalharem, principalmente, na lavoura. No começo do século XX, o Brasil era um país essencialmente agrário, longe de ser desenvolvido, com altos índices de analfabetismo e diversas deficiências sociais, mas, em virtude da economia falida e sem qualquer perspectiva de melhoria, novos grupos de imigrantes alemães aqui chegaram para tentar a sorte, localizando-se, principalmente, em São Paulo, Rio de Janeiro e nos estados do Sul (Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul).

Do outro lado ao Atlântico, aproveitando-se da convulsão social e desespero da população nascia, nos anos 1920, o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, mais conhecido como Partido Nazista. Símbolo da extrema direita, dentre as suas ideias defendiam o antissemitismo, nacionalismo e negação do marxismo. Para disseminar seus ideais pelo mundo os nazistas organizaram e apoiaram a criação de organizações que professassem sua ideologia em diversos países.

Em 1928, foi criada em Benedito Timbó (Santa Catarina) a primeira célula nazista fora da Alemanha. Nos anos seguintes foram criadas outras células nazistas atuantes em 17 estados brasileiros, com um total de 2.822 integrantes. Vale esmiuçar números e cenários.

Como não era registrado na justiça eleitoral, tinha a orientação da liderança nazista alemã que os integrantes não deveriam envolver-se nas questões políticas locais, outro diferencial é que só aceitavam alemães natos, os descendentes alemães só podiam atuar como simpatizantes. Na época, no Brasil, viviam, aproximadamente, 100 mil alemães natos e um milhão de descendentes, principalmente na região Sul.

Segundo estudiosos, a adesão dos alemães e dos descendentes foi pequena à causa nazista, cerca de 5%. No plano geral, havia simpatia ao nazismo pelo resgate da relevância internacional da Alemanha. Os simpatizantes, em grande parte, vinculavam-se pelo interesse dos benefícios materiais que pudessem ter no Brasil e uma repatriação como compensação pela dedicação à causa. As ideias nazistas tiveram maior adesão nas comunidades urbanas e entre os abastados.

Precisamos compreender o cenário brasileiro dos anos 1930, onde a presença do Estado era deficitária. Em virtude disso, a comunidade alemã caracterizava-se pelos fortes vínculos às raízes culturais, no cenário educacional era composto por escolas comunitárias, funcionando como elemento formativo, educacional e preservação das tradições. Quando o nazismo ascendeu ao poder na Alemanha, existiam no Brasil 1.260 escolas neste formato, com cerca de 50 mil alunos. O governo alemão nazista subsidiava financeiramente essas escolas, incluindo envio de professores alemães fiéis à doutrina. Nessas escolas era comum a suástica nazista e a foto de Adolf Hitler estar afixados.

Alvo principal dos nazistas, a comunidade judaica no Brasil, na época, era reduzida. Os nazistas definiram como símbolo do seu preconceito racial os negros e os mestiços, que representavam cerca de 45% da população nacional. Consideravam o povo brasileiro uma raça inferior por conta da mestiçagem formativa do País.

Desde 1930, Getúlio Vargas assumiu, via Revolução de 30, o comando do Brasil com seu grupo político-militar, até 1945 (depois retornará à Presidência da República em 1950), sob diversas nuances autoritárias. Internacionalmente, o Brasil exercia a “política do pêndulo” negociando a partir dos próprios interesses com os demais países, destacando-se entreos maiores parceiros Estados Unidos e Alemanha.

A ascensão ao poder do nazismo na Alemanha, em 1933, alertou a comunidade internacional dos encantos e dos perigos da ideologia nazista para além do território alemão. Em terras brasileiras, norte-americanos e alemães disputavam a supremacia nas esferas de poder. O pêndulo ideológico brasileiro estava mais desejoso da linha alemã pelo caráter antidemocrático, dentre os diversos exemplos, lembremos a entrega aos nazistas alemães da revolucionária Olga Benário Prestes.

O revés acontece com o golpe do Estado Novo, em 10.11.1937, para Getúlio perpetuar-se no poder, assim como a tentativa frustrada de deposição varguista pelos integralistas, em 11.05.1938. Todos os partidos e agremiações foram proibidos no País. Com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial e o rompimento com os países do Eixo (Alemanha, Itália, Japão), os alemães passaram a ser presos, empresas alemãs perseguidas, lojas saqueadas, proibição de falar alemão em público e qualquer manifestação cultural alemã, ouvir rádio e viajar para locais estratégicos no País. A mesma proibição foi extensiva aos italianos e japoneses residentes no Brasil.

O tempo passa e, o que deveria servir de aprendizado é relevado, menosprezado e, a depender dos interesses, incentivado. Na Alemanha contemporânea ressurgiram grupos de neonazistas, mas, lá, são combatidos com a lei e o avivamento da memória histórica através de monumentos e educação nas escolas para nunca esquecer as atrocidades praticadas. Quanto ao Brasil, temos uma triste tradição de acobertar os erros e tragédias históricas. Como exemplo, o não julgamento dos crimes, assassinatos e torturas praticadas na ditadura militar (1964-1985). Como Estado e sociedade brasileira temos a obrigação democrática de garantir a cidadania plena e contribuir com educação crítica e acessível a todos para que alusões nazistas e extremistas desapareçam. Lembremos do atentado golpista de 8 de janeiro de 2023, em Brasília, trouxe inúmeros significados e lições.

Foto do Sérgio Falcão

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