
Historiador, pesquisador, escritor, editor do O POVO.Doc e ex-editor de Opinião do O POVO
Historiador, pesquisador, escritor, editor do O POVO.Doc e ex-editor de Opinião do O POVO
Um dos conceitos de etnocídio é “destruição da civilização ou cultura de uma etnia por outro grupo étnico”. Desde a invasão portuguesa no Brasil, em 1500, os povos originários vêm sendo perseguidos em suas crenças e modo de viver nesses mais de cinco séculos de embate com a cultura branca dominante. Apenas, ao longo do tempo, os modelos de perseguição mudaram, mas, em essência, o pensamento é o mesmo. Todos devem professar a fé do branco dominante.
Vamos retroceder no tempo e tentar compreender a evolução da desumanidade junto aos povos tradicionais. Nessa ida e volta da História, cabe um registro. Em 2022, o papa Francisco pediu perdão em nome da Igreja Católica pelos crimes cometidos pelos cristãos contra os povos indígenas. A vergonha de Francisco procede, sob o manto da salvação dos “infiéis” a Igreja Católica aliou-se aos soberanos europeus no período dos grandes descobrimentos em busca de aumentar o “seu rebanho”, ampliar seu poder e amealhar riquezas nos novos territórios conquistados pela força na América, Ásia e África.
Para registro, vamos lembrar das cruzadas. No período da Idade Média, exércitos “abençoados” invadiram o Oriente Médio para “salvar” as “terras santas”. A religião, direta e/ou indiretamente, tem esse poder de ungir o discurso de salvação na dominação de povos ou regiões que pensem o contrário. O passado não é diferente do presente na questão da intolerância religiosa.
A chegada das missões religiosas no Brasil com a finalidade de catequizar os nativos principia em 1549, quando jesuítas aqui chegam com Tomé de Sousa, o primeiro governador-geral enviado por Portugal. Aqui irão permanecer até sua expulsão pelo Marquês de Pombal, em 1759, por motivos de acumularem grande riqueza e poder.
No Brasil colonial, as ordens religiosas, especialmente os jesuítas, tinham como missão evangelizar, cristianizar os “gentios”. Para fazer dominar a crença do Deus bíblico e aproveitar a mão de obra indígena foram criados os aldeamentos, espaços que congregavam os indígenas em processo de conversão e aculturamento. Funcionava como uma espécie de proteção frágil junto aos colonizadores que desejavam escravizar e desejavam contar com a mão de obra indígena.
Devido ao grande interesse dos colonos e bandeirantes nas bandeiras de apresamento dos indígenas, foi criada lei que só deveriam escravizá-los em situações de “guerra justa”. Entre o discurso oficial e a realidade, nós, brasileiros, conhecemos bem. Povos foram mortos e aprisionados na vastidão e isolamento do território brasileiro.
O Brasil, com o tempo, ganhou independência onde virou Império e depois República, mas, a vulnerabilidade econômica e social dos povos originários continuou mantendo-os relegados a cidadãos brasileiros de quinta classe.
O começo da evangelização pela religião protestante principia no começo do século XX. Travestidas de ações missionárias, salvacionistas e humanitárias a incursão no território indígena se assemelha à catequização católica do período colonial. Sob o patrocínio do Estado, instituições filantrópicas e internacionais a “conversão” à crença cristã vem transformando a realidade dos indígenas. Um exemplo do brutal impacto na cultura indígena pode ser conferido no documentário “Ex-pajé”.
Segundo dados do IBGE, em 1991, 14% da população indígena era evangélica. Em 2010, já era 25%, e, em, 2018, 32%. O avanço da evangelização na população indígena vive hoje a terceira fase, quando indígenas pastores buscam a conversão dos outros indígenas. A primeira fase aconteceu a partir da colonização quando estrangeiros eram responsáveis pela doutrinação. A segunda fase quando os brasileiros eram os evangelizadores.
Para compreender o nível de organização e intenção no apagamento da cultura dos povos tradicionais, em 2021, o Conselho de Pastores e Líderes Evangélicos Indígenas (Conplei), congregava dois mil pastores e lideranças com a missão de “ver Deus glorificado entre as tribos do Brasil”.
Durante a pandemia, o governo federal facilitou a entrada em terras indígenas de pretensas organizações humanitárias ligadas às igrejas evangélicas, além da pregação da fé cristã há relatos de disseminação de “fake news” e desincentivo à vacinação contra a Covid-19.
O governo de Jair Bolsonaro foi desastroso, senão intencionalmente maléfico com a população indígena brasileira. Além de estimular o garimpo em terras indígenas, o aparelhamento da Funai, desmonte das políticas públicas, não demarcação das terras indígenas e desassistência à preservação e sobrevivência indígena. Não surpreende, em 1998, o então deputado Jair Bolsonaro expressou seu pensamento quanto à questão indígena da seguinte forma: “Até vale uma observação neste momento: realmente a cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente, sim, foi a cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse problema no país". A mentalidade daquele governo em relação aos indígenas também pode ser exemplificada na fala do então vice-presidente da República e hoje senador Hamilton Mourão: “índio quer celular, caminhonete e ar-condicionado".
O Estado brasileiro vive uma eterna gangorra de avanços e retrocessos, normatizamos a incivilidade e os absurdos intoleráveis tornaram-se comuns. O Brasil profundo, onde vivem os mais desassistidos e miseráveis somente são vistos (e logo depois esquecidos) nas grandes tragédias. A mais recente, foi o quadro de desnutrição extrema e morte do povo yanomami em janeiro de 2023.
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