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Sul da fronteira, oeste do Sol
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

Sul da fronteira, oeste do Sol

Tipo Crônica

Chegou livro novo do Haruki Murakami no Brasil pela Tag Livros. Não é um texto recente, foi lançado em 1992 no original, mas isso não tira o brilho da novidade. Murakami é um autor que publica desde 1979, mais de quarenta anos de trabalho com a palavra, um bom exemplo para se pensar um pouco sobre o que é, ou o que pode ser, a carreira de um escritor lido em muitos países e idiomas.

Uma das boas estratégias de Murakami é dar tempo para que os leitores leiam, comentem, respirem e desejem o próximo livro. O intervalo entre os lançamentos de 1979 ao mais recente, em 2017, é saudável. Deixa espaço para a saudade e a vontade, isso explica um pouco a corrida ávida às livrarias quando vem coisa nova - e mesmo quando o novo é antigo, caso do lançamento brasileiro.

Por falar em corrida, um dos seus livros de não ficção é justamente sobre a relação entre escrever um romance e correr uma maratona. Preparo físico, rota, pensamento, processos, começo, meio e fim, há uma analogia clara para ele entre as duas coisas. Eu concordo. A escrita exige tempo. Juntar palavras é diferente de criar literatura. Encher cem páginas de texto é diferente de escrever um livro de cem páginas, criar uma obra.

Murakami trabalha em uma janela temporal larga, o mundo mudou muito de 1979 para cá. Como sua literatura tem acompanhado essas mudanças? Como Murakami tratou as transformações na Ásia, sobretudo na China ao seu lado, enquanto sua carreira foi sendo construída? Como o fato de morar nos Estados Unidos afeta seu olhar? Onde estão fincadas as raízes que sustentam a larga copa de sua árvore? O tempo é implacável com os escritores. Se um texto não souber sustentar sua alma independente do momento, pode estar condenado ao limbo dos esquecidos.

Sobre o livro novo, "Sul da fronteira, oeste do sol", a primeira coisa a notar é o fato do título também ter sido emprestado de uma canção - dos Beatles, com "Norwegian Wood", agora Nat King Cole, com "South of the Border". Deixo a sugestão de ouvir a letra da música antes de ler o livro. A aproximação entre os dois aparece em outros fatores, na temática central do romance de formação, nas personagens femininas, nas questões da juventude.

O protagonista Hajime, cujo nome significa início, nasce sob a luz de um novo janeiro e segue a vida sem grandes emoções até encontrar Shimamoto. Depois de um breve tempo de convivência os dois se afastam por motivos familiares, mas as marcas não são apagadas. Murakami é um romancista impiedoso, nos deixa seguir a vida de Hajime de perto mostrando inúmeros mistérios, enigmas, situações inesperadas, consequências das falhas da experiência humana. E nos faz esperar Shimamoto junto com ele.

A atmosfera é de boa música, o tempo inteiro. Irresistível seguir as indicações de Hajime, um apreciador de jazz da melhor qualidade. O desfecho provoca um dos melhores efeitos: a vontade de conversar com mais alguém que tenha lido, trocar ideias, comentar, ampliar a experiência de ler. São mais de quarenta anos de obra, há sempre muito o que dizer sobre Haruki Murakami, um estudo de caso.

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