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Novembro
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

Novembro

Tipo Crônica

Se o penúltimo mês do ano já é desafiador quando tudo está razoavelmente normal, imaginem agora. Chegou ao fim um dos períodos mais absurdos das nossas vidas. Esse tempo tem a falta de luz de um pesadelo, como se fosse um delírio coletivo que não termina, retorna, ameaça. Uma pandemia. O mundo inteiro à espreita do que virá depois.

A véspera da chegada de novembro, dia trinta e um de outubro, é a celebração de Samhain, Deus dos mortos. Quem prepara as cerimônias são as bruxas, portanto é dia delas. Por ser um culto pagão, a festa virou outra coisa, o Halloween, ou véspera do dia todos os santos. Uma confusa disputa de crenças para chegar à mesma conclusão: não há inteligência humana que dê conta dos mistérios da vida e da morte.

Essa fronteira entre uma coisa e outra, as bruxas e os santos, faz da virada entre os dois dias o momento mais enigmático do ano, conhecido como Madrugada Mágica. Dizem que o que acontece nas horas ao redor da meia-noite tem uma força anormal e qualquer coisa que comece aí adquire um poder indestrutível.

Tenho achado cada vez mais instigante acompanhar as previsões e explicações astrológicas. Olhar para o céu nos distrai das desgraças do mundo. Por isso soube que os planetas andaram dançando uma valsa macabra, criando quadraturas, angulações, oposições, trânsitos de casa em casa, um movimento vigoroso que afeta nossas vidas. Os céticos dizem que isso é bobagem. Eu digo que bobagem é duvidar dos descomandos do Destino, sendo eu mesma uma alma carregada por ele.

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A grande lição da pandemia tem sido a imprevisibilidade e a nossa absoluta falta de poder e controle sobre as coisas. Além do medo de sentir, mais perto da pele, a finitude da vida. De repente ninguém pode mais planejar um futuro próximo, porque não sabemos. A porta para fora está trancada, por isso caminhamos para dentro. E às vezes é exatamente disso que precisamos.

As horas de dúvidas são bons momentos para estar perto do mar. Ou de qualquer outro pedaço de natureza que possa ensinar um pouco sobre como o equilíbrio está no respeito aos ciclos. Andei lendo muito sobre estudos científicos a respeito da comunicação secreta entre as árvores, pelas raízes. Em silêncio elas salvam umas às outras. Há milagres por todos os lados.

Para quem acredita, há um Deus, um prestidigitador invisível, bom o tempo todo. Para quem não crê, há um sem número de forças desorganizando as coisas para, depois, organizar de novo. O mês da Morte, das Bruxas e de Todos os Santos me parece um bom momento para nascer de novo. É tudo tão imprevisível e fora de controle que qualquer espanto pode acontecer, inclusive o melhor. A surpresa mais inesperada. O encontro com a felicidade na última casa de uma rua sem saída.

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