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Na aldeia polaca
Foto de Socorro Acioli
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

Na aldeia polaca

Tipo Crônica

Uma psicóloga aquariana, de cinquenta e sete anos, nascida em Sulechów, que publica livros e trabalha com as palavras desde 1989, ganhou o Prêmio Nobel de Literatura. Trata-se da senhora Olga Tokarczuk, que tenho chamado entre os íntimos de Olga Consoantes por preguiça de decorar seu sobrenome - ela adoraria o apelido, capaz de acatar.

Acabei de ler seu romance Sobre os ossos dos mortos, recentemente lançado no Brasil pela Todavia. Para começar a falar dele, explico que o título é um verso de William Blake, poeta que perpassa toda a história, mesmo que o enredo tenha nada a ver com o mundo literário. O tema da ficção sobre escritores já foi tão desgastado que parece difícil aparecer algo que empolgue.

Sobre o romance da Olga, é muito difícil enquadrar em categorias. Não é um livro de mistério, nem de assassinato, não é humor, não é thriller e é tudo isso ao mesmo tempo.

Tem uma epígrafe para cada capítulo, uma narradora que nem sempre é confiável (talvez nunca) e por isso é magnífica, a dona de uma casa que adoraríamos visitar.

Janina Duszejko, a personagem narradora, começa o livro dizendo que uma mulher na sua idade precisa sempre lavar os pés antes de dormir, pois uma ambulância pode precisar buscá-la na madrugada a qualquer momento.

Essa é uma das qualidades do romance: a forma como a protagonista se revela, aos poucos, sem dizer nada muito diretamente, construindo sua figura e personalidade nos gestos, na descrição da rotina, nos objetos que guarda em casa, que leva no carro, nos hábitos, nas paixões.

O primeiro assassinato da pequena aldeia polaca acontece na entrada do romance: morreu o tal Pé Grande, um caçador estúpido de quem Janina não gostava. E depois morrem outros caçadores e a ínfima população entra em modo de inquérito. Janina colabora com seu método peculiar: fazendo mapa astral das vítimas. E discorrendo com seriedade sobre como a posição dos planetas nas casas determina a hora e a forma da morte.

Tudo acontece em uma aldeia gelada, com um pouco mais de sete casas e fica impossível largar o livro por causa da maneira deliciosa de ver o mundo pelos olhos inteligentes de Janina. Dizer mais que isso vai estragar as surpresas.

Ao fim da leitura dá vontade de conversar com alguém que tenha lido a mesma história, horas distraídas rindo sobre ela, sobre o que é um bom livro, o que é boa Literatura, grafada com maiúsculas, que dá sentido à vida de quem é realmente um leitor apaixonado e dependente compulsivo dos livros.

Sobre os ossos dos mortos foi selecionado pelo The Guardian como um dos cem melhores livros do século, antes do Nobel. A narradora é dona de um intelecto extraordinário, um talento indiscutível na construção de relações, no olhar aprofundado para o homem e suas relações com os outros homens, com o poder, os animais, a natureza, a justiça. Um Nobel muito justo. Olga Consoantes: um gênio.

Foto do Socorro Acioli

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