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Luta e festa
Foto de Socorro Acioli
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

Luta e festa

Tipo Crônica

A escritora Conceição Evaristo subiu ao palco do Auditorio do Ibirapuera para receber a homenagem do Prêmio Jabuti como personalidade literária do ano. Sua fala foi de agradecimento. Lembrou de todas as editoras que publicaram seus livros, desde o primeiro. Convidou a todos para a festa e apontava para eles na plateia confirmando a sua gratidão. Falou de sua mãe e tias, semianalfabetas, as mulheres da sua vida. Agradeceu aos leitores, a cada um que um dia viu sentido nas suas palavras. E disse, por fim, que ser a primeira mulher negra a receber uma homenagem no Prêmio Jabuti deveria ser uma abertura de portas para que venham outros e outras. Resumiu, portanto, sua trajetória a uma frase: sozinha eu não teria feito nada.

Conceição foi aplaudida por um auditório lotado, comovido, emocionado e feliz. A entrega do Jabuti é a noite mais importante do mercado editorial brasileiro. Os livros existem como resultado de um trabalho coletivo que começa no autor e termina no leitor para, depois disso, recomeçar. É uma teia e fracassam todos que perdem a dimensão do quanto o sonho de um país de leitores deve uma construção coletiva.

Eu estava na cerimônia do Prêmio Jabuti esse ano para entregar o troféu ao Melhor livro infantil, o mesmo que já ganhei com o meu Ela tem olhos de céu. Uma emoção diferente, renovada, uma alegria gigantesca por cada um que viveu ali uma alegria que eu conheço muito bem. Prêmios são o reconhecimento necessário para movimentar o mundo dos livros, levar o nome de autores e editoras mais além fazer com que a Literatura ocupe os jornais, a internet, as conversas.

Escrevo esta crônica na sede da Companhia das Letras, minha editora, cercada por uma dezena de pessoas cuidando dos livros que serão lançados em 2020. Ainda muito emocionada, penso em Conceição Evaristo. Inspirada por ela, penso em todas as pessoas que foram importantes na minha trajetória como escritora e tenho muito a agradecer. Mas o que ocupa meus pensamentos é uma pergunta: por que e para quem escrevemos? Qual a missão dos livros, do trabalho com as palavras, do encontro com os leitores?

Guiada pela voz de Conceição Evaristo, vejo todas as etapas da minha carreira, inclusive a felicidade de estar em uma das editoras mais importantes do Brasil, como uma imensa responsabilidade. Enquanto ela falava, eu pensava nas bibliotecas públicas, nos projetos de incentivo à leitura nas penitenciárias brasileiras. Pensei nos clubes de leitores, no Leia Mulheres, que é sensacional e revolucionário.

Lembrei de todos os autores silenciados, nas vozes que não conseguiram ainda uma oportunidade. Nos autores indígenas, nas narrativas esquecidas. Lembrei também das mulheres da minha vida, na minha bisavó semianalfabeta do interior do Rio Grande do Norte, neta de escravizados. E assim, vi uma corrente de tantas pessoas de mãos dadas.

A Literatura não deveria ser um campo de vaidade, mas espaço de força e mudança. Compartilho com Conceição Evaristo a alegria de fazer parte de um grupo de escritores reunidos por Afonso Borges e todos os dias falamos do Brasil, das tristezas e soluções. Que a ideia de ter a palavra como instrumento se espalhe, seja levada aos novos autores, que os projetos literários sejam ampliados ao sentido de luta e festa, como nos ensinou a grande dama das letras brasileiras no exemplo da sua escrevivência - palavra que ela usa para nos iluminar.

Foto do Socorro Acioli

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