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A vida mentirosa dos adultos
Foto de Socorro Acioli
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

A vida mentirosa dos adultos

Tipo Crônica

Elena Ferrante lançou um livro novo. Chegará ao Brasil em julho, pela Editora Intrínseca, e está sendo esperado como quem aguarda um encontro apaixonado no meio da tarde, no café de uma livraria. O título é "A vida mentirosa dos adultos", o que não deixa de remeter a um tema que já perpassa toda sua obra até aqui. Uma das riquezas dos livros de Elena Ferrante é a humanidade dos personagens, por inteiro, esse gesto de escancarar a verdade sobre uma das coisas mais certas da vida: viver é lidar com segredos, coisas escondidas e sobretudo, mentiras.

A própria autora já é um mistério personificado, escreve sob pseudônimo, optou pelo anonimato e não permite que vejam seu rosto. Há uma forte desconfiança da sua real identidade, mas espero que essa reserva seja protegida. Sua ausência é uma das forças que faz dela uma autora contemporânea tão presente. Autoria é criação. Autoria é construir um castelo com palavras, fazer das personagens criaturas quase reais para os leitores. Quando a leitura entrega ao leitor um mundo novo, o autor cumpriu bem seu ofício.

A opção de ser invisível faz com que Ferrante transite na contramão do próprio tempo. Não vemos o seu rosto, mas sabemos muito sobre ela por suas palavras, isso é o que importa quando se trata de escrever. Nenhum plano de marketing digital funciona bem para um escritor que não sabe o que está fazendo. Pode ter efeito inverso, inclusive. As redes sociais são território de mentiras.

Elena Ferrante escreve com aparente simplicidade, mas um dos seus segredos é a sofisticação narrativa invisível. É por isso que o amor pela obra dessa italiana é chamado de Febre Ferrante. Vicia. Ninguém consegue parar. Antes de ler o novo romance eu devorei o ensaio da pesquisadora Fabiane Secches, "Elena Ferrante: uma longa experiência de ausência", publicado pela editora Clarabóia. O que Fabiane alcançou foi a excelência da crítica literária, honrando a estrada aberta por Antonio Candido, fazendo da crítica um exercício de pensamento profundo que ilumina, enriquece, constrói pontes, abre janelas, escancara portas.

Fabiane estabelece relações entre os livros de Elena Ferrante e os clássicos. Ovídio, Homero, Virginia Woolf, Freud, Clarice Lispector são alguns dos autores que entram no diálogo. Por esse trabalho, a envergadura da obra de Elena Ferrante é detalhada, os motivos da qualidade do seu texto são expostos, esmiuçados. E isso tudo aumenta a febre, o vício, a admiração, a hipnose. É um guia indispensável para quem ama a italiana secreta.

Ler Ferrante é fugir para Nápoles. Nesses tempos difíceis, é necessário escapar algumas horas por dia da realidade para sobreviver. Não sei do que se trata o livro novo, optei por não ler nada a respeito. Estou observando o título, "A vida mentirosa dos adultos", que tem tanto a ver com nosso tempo de notícias falsas, de erros, de verdades escondidas. As piores mentiras são as que arrastamos pela vida, corroendo toda possível felicidade. Vamos ver o que Elena Ferrante tem a dizer sobre isso.

Foto do Socorro Acioli

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