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O desenho literário de um caminho
Foto de Socorro Acioli
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

O desenho literário de um caminho

Tipo Crônica

Um lote de livros, quando sai da gráfica, carrega uma falsa aparência de semelhança. Parecem absolutamente iguais, gêmeos univitelinos, acomodados em caixas, até que comecem a encontrar os seus leitores e viver processos de transformação. Da cabeça do autor à cabeça do leitor os caminhos são infinitos. Cada um guarda o esboço do desenho literário de um caminho.

Sou uma leitora que risca livros e isso já faz do meu exemplar um objeto único a partir da primeira letra. Começo anotando a data em que comprei ou ganhei, o local, as circunstâncias. Quando é presente, também anoto e guardo com carinho as dedicatórias. Risco mais ainda durante a leitura. Marco as partes fortes, anoto nas laterais quando percebo associações com outros textos, espantos, conclusões, arrebatamentos, fica tudo registrado na leitura. Ao reler, volto no tempo.

Esses dias eu marquei muitas vezes o romance "Sergio Y. vai à América", do escritor e diplomata Alexandre Vidal Porto. Foi uma leitura coletiva, com mais de cinquenta alunos em preparação para uma conversa com o autor no nosso clube de leitura virtual.

A história do livro é contada por Armando, um psiquiatra experiente que narra o impactante encontro com o paciente Sérgio Y. Se eu avançar na sinopse estrago um dos prazeres do livro: a vontade incontrolável de saber o que acontecerá a seguir.

Seguimos o fluxo de pensamentos e as ações de Armando para responder às perguntas que esse paciente deixou na sua vida e o mistério sobre seu destino.

Sabemos de tudo pela voz e pelos olhos desse narrador que, quando a vida parecia um lago de águas calmas, foi arrebatado por um jovem rapaz que buscava a resposta para suas dúvidas sobre a busca da felicidade. Vou transpor aqui algumas partes que risquei no meu livro:

"A felicidade não está onde estamos, temos de ir atrás dela. Ela às vezes mora longe. Tem de ter a coragem para ser feliz"./ "Ter uma vida feliz é ter mais dias felizes do que dias tristes"./ "A felicidade vem da coragem de fazer algo novo. A felicidade existe. Eu sou a prova viva disso"./ "Abandonar o lugar em que vivia para continuar vivendo".

São falas de personagens diferentes. Do narrador, de Sérgio, do avô do Sérgio. Uma das grandes belezas do livro do Alexandre está no quanto ele consegue ser profundo em sua aparente simplicidade. A linguagem é cristalina, límpida, não oferece nenhum obstáculo na compreensão e por isso mesmo, por deslizar suave, nos conduz a uma teia de pensamentos complexa sobre a vida.

Há um livro dentro do livro. Sérgio Y. encontra uma obra que muda sua vida e que Armando resume no seu diálogo com o leitor, como o desencaixar de uma luxuosa boneca russa. É como um mapa da felicidade para o personagem. Alguns livros conseguem isso. Apresentam uma rota, que a gente risca e anota para entender, para tomar consciência da própria localização e decidir aonde ir depois. A leitura de Sérgio Y. abre um mapa único para cada leitor. É raro escrever assim, tão claro e tão arrebatador ao mesmo tempo. Mais raro ainda é esse efeito de pensar no livro diariamente depois do fim da leitura, nessa vontade incontrolável de cumprir os passos do mapa.

Foto do Socorro Acioli

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