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As fobias
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Autora dos romances Turismo para cegos e Em plena luz, dentre outros títulos. É também fotógrafa e professora da Universidade Federal do Ceará. Adora gatos, viagens e acredita cada vez mais no poder da arte.

As fobias

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0708pause (Foto: carlus campos)
Foto: carlus campos 0708pause

Há mistérios que circundam os medos peculiares. Para certas pessoas, uma situação de terror pode ser desencadeada por um objeto ou situação trivial. De tanto conhecer fobias alheias, aprendi a respeitá-las - mas não deixo de achar algumas bem esquisitas. Às vezes, penso que a atitude pode ser confundida com uma excentricidade ou simples repulsa. A fobia clássica, entretanto, domina por inteiro o indivíduo, reduz seus nervos a frangalhos. É o que leva um sujeito musculoso a gritar feito um bebezinho, diante de abelhas; ou o que desespera uma dondoca, capaz de quebrar os saltos altos numa correria para fugir de um sapo absolutamente imóvel. A fobia é uma coisa íntima, intransferível. Há quem chore de pavor diante do mar, e não por medo das profundezas ou da violência das ondas, mas por intolerância à espuma. Aquele rendilhado líquido causa nojo em certas almas frágeis...

Houve aquela vez em que uma amiga entrou na minha casa e deu um grito ao ver a cabeça de ex-voto (que comprei por ser parecida com Drummond), na estante da sala. Ficou tão transtornada que não conseguia olhar para o objeto; pediu-me que o cobrisse com um lenço e depois fugiu para a cozinha, onde me contou que o seu pior medo era receber uma máscara mortuária pelo correio. Tentei argumentar que não tinha recebido a cabeça, mas a comprara no Mercado Central e, além disso, ela não fora esculpida no molde de nenhum defunto - mas a amiga estava nervosa demais. Tomou um copo d'água e inventou compromissos, para se despedir.

Outra colega me relatou o seu pânico por banheiras. De piscina, não tinha medo nenhum, conforme explicou. O problema eram as banheiras, esmaltadas ou cromadas, com hidromassagem ou sem, pés de garra ou não... todos os modelos lhe tiravam o fôlego e produziam calafrios. Um psicanalista poderia descobrir a origem dessa reação, mas eu apenas me espantei.

Minha história preferida, porém, é a mais bizarra. Trata da fobia que atacou uma pobre moça interiorana, recém-chegada a nossa capital. Em vez de se amedrontar com o trânsito e os aspectos temíveis de alguns monstros, digo, carros, a jovem apavorou-se com garrafas. Claro que ela conhecia garrafas de antes; é esquisito imaginar um lugar onde elas não existam. Mas foi em Fortaleza que o susto apareceu - e continuou. Até hoje a mocinha não pode ficar diante de uma garrafa, seja de que tipo for. É imediatamente acometida por tremedeira nervosa, com suores frios.

Os médicos sugeriram que o seu repúdio era uma resposta ao alcoolismo de um tio. Entretanto, a jovem jamais tivera grande contato com o parente, e também não fazia distinção quanto ao conteúdo das garrafas: contivessem vinho, água, suco ou absinto, sua atitude era idêntica. Outra prova de que a associação não era feita com o líquido e sim com a forma da garrafa, é que a moça podia beber em paz qualquer dose que lhe aparecesse servida num copo. Se, porém, visse a garrafa, começava o nervosismo. Por causa dessa fobia, a garota perdeu vários empregos: nunca pôde ser garçonete ou caixa de supermercado. Ela perdeu até mesmo o noivo, quando ele propôs levá-la a um boliche...

 

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