
Antropóloga, pesquisadora de culturas alimentares, doutoranda UFBA e Coordenadora de Cultura Alimentar e Pesquisa da Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco
Antropóloga, pesquisadora de culturas alimentares, doutoranda UFBA e Coordenadora de Cultura Alimentar e Pesquisa da Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco
No imaginário popular cearense, o mel é, antes de tudo, remédio. Presente nos lambedores que atravessam gerações, combina saberes tradicionais, ervas e o próprio mel como bálsamo para gripes e dores de garganta. Mas essa visão medicinal é apenas uma das possibilidades. O mel pode ser também alimento refinado e versátil, de sabores, aromas e texturas que variam conforme o tempo, o território e as floradas.
Curiosamente, o uso culinário do mel ainda é limitado, mesmo diante do enorme potencial apícola do Ceará. Em 2023, Santana do Cariri — no sul do estado, dentro da Floresta Nacional da Chapada do Araripe — tornou-se a maior produtora de mel do Brasil, com quase 1,2 milhão de quilos, segundo o IBGE. Muito desse mel, produzido por abelhas com ferrão e colhido por agricultores familiares com técnica e sensibilidade, vai para os EUA. Enquanto isso, o consumo interno segue baixo: no Brasil, são apenas 60 gramas por pessoa ao ano, frente à média mundial de 240g.
Essa distância entre o que se produz e o que se consome nos convida a enxergar o mel como algo além do remédio: um ingrediente da nossa sociobiodiversidade, com potencial para estar mais presente no cotidiano — da confeitaria às saladas, dos queijos aos pratos principais.
É com essa inquietação que Laís Maria, jovem zootecnista e agricultora agroecológica de Santana do Cariri, decide valorizar os saberes que aprendeu com a família. Ao lado do pai e do irmão, observa o voo das abelhas que, a cada mudança de rota em busca de novas floradas, produzem méis com características únicas. Assim, lançam uma linha de méis tipificados — Cipó Uva, Vassourinha-de-Botão, Cidreira Brava e Visgueiro —, cada um com sabor, cor e aroma próprios, revelando a diversidade da Chapada do Araripe. É mel que não vai mais embora. É mais uma jovem que não vai mais embora do campo.
Pesquisa realizada no Laboratório de Criação em Cultura Alimentar e Gastronomia da Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco, em parceria com a Embrapa, criou uma metodologia replicável de caracterização de méis por meio de análises laboratoriais e sensoriais, como estratégia de valorização do produto. A ideia é compreender como a sociobiodiversidade molda a identidade do mel produzido no Ceará, conectando ciência e tradição.
Na Chapada, a apicultura é um elo entre natureza e cultura. Seguir os caminhos das abelhas é também um modo de escutar a terra — e transformar esse cuidado em alimento.
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