 
          Antropóloga, pesquisadora de culturas alimentares, doutoranda UFBA e Coordenadora de Cultura Alimentar e Pesquisa da Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco
 
          Antropóloga, pesquisadora de culturas alimentares, doutoranda UFBA e Coordenadora de Cultura Alimentar e Pesquisa da Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco
 
            Existem comidas que associamos de imediato a um lugar ou a uma ocasião: peru e panetone ao Natal, sushi à culinária japonesa, peixe frito às praias do Ceará. E, enquanto as festas ocupam o imaginário com pratos especiais, o cotidiano segue seu curso com aquelas comidas que todos reconhecem, as comidas de todo dia.
Por aqui, no restaurante, chamamos de prato feito, ou simplesmente "PF", a comida caseira que combina arroz, feijão, macarrão, a "mistura" (a porção principal, quase sempre proteica), farofa e salada. Essa combinação fala de rotina e de pertencimento. O arroz e o feijão ou o baião de dois, presentes em quase todo o Brasil, formam um par inseparável que não se repete nos países vizinhos, onde a batata ocupa o lugar do arroz. O feijão, em suas muitas cores, é temperado com o que há de mais característico do gosto cearense: alho, cebola, pimenta, cheiro verde, sal e louro. Em Pernambuco e na Bahia, entra também o cominho, pequeno detalhe que revela fronteiras culturais dentro do próprio Nordeste.
O PF é mais do que um conjunto de alimentos: é um modo de cozinhar e de servir. A comida chega quente, fumegante, num prato fundo ou numa quentinha, com a mistura ocupando o centro da cena. Cada cozinheira tem seu jeito de temperar o feijão e de combinar os acompanhamentos. Essa singularidade dá ao prato feito o status de comida emblemática, não porque seja rara, mas porque representa o cotidiano, o sabor do comum.
A salada, hoje presença quase obrigatória, é recente na história alimentar cearense. Sua introdução está ligada à colonização japonesa em Pernambuco, que difundiu o cultivo de hortaliças adaptadas ao clima tropical. Décadas depois, o revezamento entre alface, tomate, pimentão, cenoura e repolho ganhou espaço nos pratos do dia a dia, conferindo frescor e cor ao conjunto.
Nas ruas de Fortaleza, o PF tem muitos endereços e formatos: dos restaurantes populares às marmitas de balcão, dos self-services aos bistrôs que o reinventam com novos arranjos. É um prato democrático, que alimenta trabalhadores, estudantes, turistas e executivos.
Como observa a antropóloga Maria Eunice Maciel, as comidas emblemáticas são aquelas que representam identidades coletivas, porque, ao comê-las, nos reconhecemos como parte de um grupo. O PF cumpre exatamente esse papel: mais do que uma refeição, é uma expressão de pertencimento.
E quem mais mistura arroz, macarrão e farofa — três carboidratos na era do low carb — senão o cearense? Há quem evite, mas muita gente come feliz, porque o prazer também é um gesto de resistência. O prato feito, no Ceará, é o retrato de uma cultura alimentar que, mesmo simples, traduz um modo de viver: o gosto de estar junto, de comer bem, de continuar reconhecendo o sabor da casa em cada colherada.
 
 
          Comida é cultura. Comida é expressão. Comida é história. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.