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BC e um tango a quatro
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Jornalista e comentarista da área política, Vera Magalhães tem passagem por veículos como a Folha de S. Paulo, Veja e o Estado de São Paulo. Atualmente, é âncora do programa Roda Viva, além de colunista do O OPOVO, O Globo e da rádio CBN.

BC e um tango a quatro

Roberto Campos Neto foi conciliador, disse que quer, sim, dançar conforme a música do governo
Tipo Análise
Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto
 (Foto: José Cruz/Agência Brasil)
Foto: José Cruz/Agência Brasil Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto

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Não há ditado que, em português, traduza com imagem semelhante a maravilhosa expressão em inglês “It takes two to tango”. Dizer que é preciso que haja dois para que se dance o tango fica longo demais e não alcança nem sonoridade nem o significado, mais próximo do nosso “Quando um não quer, dois não brigam”.

Roberto Campos Neto recusou, na entrevista ao “Roda viva”, o convite de Lula para dançar um tango que poderia levá-lo a se inviabilizar. Foi conciliador, disse que quer, sim, dançar conforme a música do governo e traçou uma única linha que não pretende ultrapassar: a revisão da meta de inflação, seja para este ano, seja para 2024.

Mas o baile segue e terá novos números de dança nos próximos dias, e novos bailarinos serão chamados ao palco. A entrevista de Campos Neto foi seguida de perplexidade no lado do PT, uma espécie de decepção. Havia certa torcida para que o presidente do BC esticasse a corda da tensão e reafirmasse a preocupação com o cenário fiscal (que existe) e a posição de manter os juros altos por tempo indefinido enquanto essa preocupação persistir. Ele foi político ao se mostrar permeável ao argumento da necessidade de o BC também atuar para fomentar crescimento e emprego, desde que de forma “responsável” e “técnica”.

Antecipando-se à própria entrevista, o PT aprovou uma resolução para convocar Campos Neto a explicar os juros no Congresso. Ele respondeu que não precisa: explicar ao Congresso a política monetária é sua obrigação legal, está disposto a ir a qualquer tempo. Sobrou como elemento, caso o governo e o partido queiram sustentar a briga, portanto, a meta de inflação. E o momento em que o tema virá ou não à baila está marcado: a reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) amanhã, com o presidente do BC e os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento).

Se os dois pudessem definir um roteiro, nenhum encorajaria Lula a insistir em levar a revisão das metas já fixadas para o CMN, uma vez que isso emitirá ao mercado o sinal de que a meta não será cumprida e pressionará ainda mais preços, câmbio e juros. Mais um pisão no pé do tango desafinado. Mas não se sabe se a opinião dos ministros prevalecerá. O fator a pesar será se o presidente está disposto a seguir nesse tema ou se o deixará morrer aos poucos, o que seria o mais prudente a fazer do seu próprio ponto de vista.

Rodrigo Pacheco voltou a repetir ontem que não haverá “retrocesso” no que concerne à autonomia do BC e que o caminho é o “diálogo”, fazendo, portanto, eco ao clamor público de Campos Neto por se reunir com o presidente da República.

Para levar o tema das metas ao CMN, o governo precisa propor sua inclusão na pauta em reunião prévia do Comitê da Moeda e do Crédito nesta quarta-feira. É preciso continuar deixando as digitais numa discussão extemporânea, que pode ter efeito contrário ao pretendido.

Tudo o que Haddad gostaria de ter evitado, semanas atrás, era que isso virasse tema de redes sociais e discussão no diretório do PT, mas várias razões, da ata do Copom às falas de Lula, tiraram o assunto do âmbito reservado das conversas que vinham acontecendo.

O mercado chegou ao fim da entrevista de Campos Neto aliviado, acreditando numa trégua na pressão sobre ele. Os petistas chegaram divididos entre aguardar a nova orientação de Lula e seguir com o discurso de que o partido quer a cabeça do titular do BC, como ouvi de vários dirigentes na noite de segunda-feira e ao longo da terça.

A orientação de Lula para Haddad e Tebet na reunião de amanhã mostrará qual dessas linhas prevaleceu. E, também, o futuro próximo da autonomia não mais do BC, mas dos próprios ministros de definir uma agenda econômica e trabalhar nela com tranquilidade e lastro.

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