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Desejo, prazer e felicidade
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Zenilce Vieira Bruno é psicoterapeuta de adolescente, adulto e casal, especialista em educação sexual e membro da Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana. Escritora, é autora dos livros

Zenilce Bruno comportamento

Desejo, prazer e felicidade

Tipo Opinião

Os gregos costumavam discutir assuntos importantes em meio a um banquete. Também no quadro jantar entre amigos, o principal prazer não são os pratos, mas a conversa, a partilha, as trocas de afeto. No "banquete", de Platão, Sócrates e outros filósofos discutiram sobre o amor.

Aristófanes contou um mito sobre a origem da humanidade, e a partir desse mito pode-se dizer que o desejo parece corresponder à busca de uma suposta outra metade, na verdade algo de si que foi perdido na divisão postulada pelo mito.

Por isso, Sócrates diz em seu discurso que, o amor é desejo, e que o desejo é a falta. Falta de algo que se perdeu. Fica compreendido também pelo mito, que falta é sofrimento e tendemos a querer que o outro preencha em nós essa falta que nos incomoda tanto.

Há também no ser humano uma busca natural pelo contato corporal, pelo prazer físico. A pele que envolve todo nosso corpo quer ser tocada. Há um conforto, um bem-estar, um referencial de segurança que o calor do contato, do toque do outro nos confere.

A falta do contato, da ternura, do abraço, do aconchego, prejudica o desenvolvimento, a saúde emocional. Um bebê não tocado atrofia, sucumbe. Além disso, "...a carência de prazer físico é um dos principais ingredientes na expressão da violência física", diz Montagu.

Somos uma cultura que postula um prazer sem limites, uma satisfação de todos os desejos como meta de felicidade. São enganosas essas promessas. Na verdade, acostumamo-nos com a busca de prazeres que funciona como tapa-buraco da inquietação imediata que é gerada pela falta.

Os momentos de felicidade em que "esquecemos tudo", e neles nos deleitamos, são raros e por vezes efêmeros. É frágil por exemplo, a felicidade adquirida pela conquista de bens. Para os gregos, para declarar um homem feliz, é preciso "ver o fim", ver em que estado de espírito terminou sua vida. Amparo Caridade escreveu que é na meditação, na verdade, na reflexão, na filosofia, que o homem dissolve o medo da morte e torna possível uma felicidade estável.

Uma outra dimensão curiosa é apontada por Sponville: "A esperança de ser feliz não nos ajuda a sê-lo". Ou na brincadeira de Wood Allen "Como eu seria feliz se fosse feliz". Assim, quando esperamos ser feliz, é que nos separamos da felicidade.

O desejo de ser feliz é a própria falta de felicidade. Estamos separados da felicidade pela esperança de tê-la. Em geral é assim que fazemos. Esperamos como a criança espera ser feliz no Natal, quando emagrecer, quando se casar, quando se formar no próximo ano.

Fazemos uma fuga para frente, de esperança em esperança. Ao invés disso, podíamos nos libertar do ciclo da esperança alienante e da decepção, angústia e tédio que ela causa.

Que tal viver de fato o que se pode viver? É bom fazer amor quando se tem vontade, com a pessoa que se deseja, tanto mais quando sentimos sua falta, está aqui, entrega-se, está disponível, deseja também. É o que se chama felicidade em ato, felicidade desesperada, que não espera nada, que age.

O contrário de esperar é conhecer, agir e amar. Essa é a felicidade que não nos escapa. A felicidade não é um absoluto, é um processo, um movimento, um equilíbrio instável. Sejamos felizes! n

 

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