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Privação afetiva
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Zenilce Vieira Bruno é psicoterapeuta de adolescente, adulto e casal, especialista em educação sexual e membro da Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana. Escritora, é autora dos livros

Zenilce Bruno comportamento

Privação afetiva

O afeto precisa ser correspondido, precisa dessa partilha para desenvolver-se. Haverá lugar para a vivência significativa desse afeto, nesse mundo que tem tanta pressa e não sabe aonde vai?

Todos nós sabemos o que é sexo e o que é afetividade, isso está no nosso íntimo, mas algo nos faz querer saber de novo, ouvir mais, encontrar referenciais para incertezas que nos perseguem. Estas quase sempre da ordem do relacional, do quanto o outro nos deseja, nos alcança, nos preenche. Necessitamos encontrar aquilo que une, que vincula, que funde com o outro, que garante crescimento, na arriscada aventura da partilha amorosa. Queremos outras existências e um outro a quem dedicar afeto e com quem possamos partilhar o sentido encontrado para a vida. O afeto precisa ser correspondido, precisa dessa partilha para desenvolver-se. Haverá lugar para a vivência significativa desse afeto, nesse mundo que tem tanta pressa e não sabe aonde vai?

A sexualidade é uma energia que nos impulsiona à busca do prazer, mas um prazer plural, que jamais se esgota na genitalidade. Ela é boa na medida em que faz sentido o que é vivido, em que faz crescer as pessoas. Torna-se uma forma de enriquecimento quando acontece o abandono de si e a acolhida do outro.

É a partir desse contexto que penso o lugar do afeto na vivência sexual como a emoção que torna o outro especial. No terreno sexual-afetivo, as coisas não são simples, porque nossa enfermidade relacional é patética, nutrimos mal entendidos e repetições que maltratam muito o cotidiano. O exercício de poder entre parceiros, as divergências entre o masculino e o feminino, por vezes, sobrepujam o gosto de amar. Que se abandonem os preconceitos e se honrem igualmente as qualidades, porque "O amor é um exercício de felicidade, não de poder", diz A. da Távola.

É essa qualidade da comunicação entre parceiros que possibilita um relacionamento significativo e satisfatório, em que cada um está à procura de si mesmo, mas na interface com o outro e onde a ternura confirma a existência do outro como "uma segunda pele necessária". Não podemos prescindir dessa partilha, quando queremos saber mais profundamente de nós mesmos. Aprendo de mim e me descubro afetiva e sexualmente quando ouso o melhor da relação.

A privação afetiva é muito nociva porque nos impede de ousar, de descobrir e utilizar o melhor de nós próprios. Faço minhas as palavras de M.Scott Peck: "Quando amamos alguma coisa ela tem valor para nós, e quando alguma coisa tem valor para nós passamos tempo com ela, tempo desfrutando dela e tempo cuidando dela".

Tocar e trocar são desejos naturais, movimentos em favor da vida e do bem estar humano. O toque é a linguagem básica do sexo, da ternura, é condição de saúde emocional. Adoecemos por falta de proximidade, de contato, de carícias. Aí o organismo reclama, dói e produz sintomas que têm significação para além do que aparece. Gaiarsa diz com apropriada ironia que "Quanto mais civilizados, mais assépticos, mais distantes e mais frios". Só palavras. Pouca mímica. Nenhum contato. Ele considera isso uma maldição que nos faz perder horas de prazer e felicidade.

Criamos uma sociedade que as pessoas não se tocam fisicamente, nem noutros sentidos. A tendência é as palavras ocuparem o lugar da experiência. Para acontecer o contato, a intimidade, precisa-se de humildade, simplicidade e desarmamento. Precisa-se de um bem estar consigo mesmo e com o outro. J. Salomé resume, dizendo: "Precisa-se de ternura natural, desesperadamente".

 

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